A situação actual dos professores exige que não fiquemos confinados na consciência
da gravidade do estado da Educação em Portugal, mas que esta consciência crítica se
traduza em acções concretas antes de vermos consumada a transformação da Escola em
instrumento de um sistema totalitário cujo objectivo último é produzir cidadãos
domesticados e submissos àquilo a que o governo do Partido Socialista chama
“modernidade”; termo por meio do qual os dirigentes do Partido Socialista traduzem uma
antiga expressão: «a bem da Nação».
Passado todo este tempo, é hoje muito claro que aquilo a que o Primeiro-Ministro de Portugal
chama “modernidade” e “modernização” mais não tem sido do que o pôr em movimento um
projecto totalitário que pretende servir-se dos instrumentos da vida democrática contra a
Democracia, não hesitando em tecer uma muito bem urdida teia para “trucidar”, diminuir,
perseguir ou destruir todos aqueles que resistem a ser tratados como cidadãos interditados.
A legislação do Governo do Partido Socialista no âmbito do Ministério da Educação
(Estatuto da Carreira Docente, modelo de gestão das escolas, legislação sobre os concursos
e o sistema de avaliação dos professores) constitui uma arquitectura do «espaço docente»
como espaço de menoridade mental: - ao entrar na Escola em que lecciona, o docente deve
ser despido da sua cidadania, do seu estatuto inalienável de pessoa humana para vestir o
“uniforme legislativo” oferecido e imposto a todos os professores, sem o qual o processo de
reificação dos alunos ficaria perigosamente comprometido.
Não são os professores profissionais a quem foi exigida uma formação científica e
pedagógica para poderem ser reconhecidos institucionalmente como professores? De facto,
todos sabem que os professores são detentores, pelo menos, de uma licenciatura e estágio
pedagógico. Acresce que ao longo da sua carreira docente, fizeram formação complementar
e foram avaliados várias vezes. Sempre que houve problemas de carácter científico e
pedagógico com alguns docentes, os competentes serviços da Inspecção do Ministério da
Educação actuaram e corrigiram o que houvesse a corrigir. Porém, para o Primeiro-Ministro e
a equipa por ele nomeada para o Ministério da Educação, foi com este governo do Partido
Socialista que começou a História da Educação em Portugal. Tudo o que é anterior a
Sócrates ou não existe ou está errado. Um sinal, entre muitos, do cínico desprezo pelo
efectivo trabalho de tantas gerações de professores e pelo seu inegável contributo para a
Educação em Portugal, é este simples facto: para o concurso a professor titular só contou o
tempo de serviço a partir do ano lectivo 1999/2000. Todo o trabalho docente anterior a esta
data é considerado lixo, porque o critério “científico” que identifica a realidade da excelência
da actividade docente não é o concreto trabalho dos professores desenvolvido durante todos
os anos da sua carreira; o que constitui a realidade como realidade é, para o Governo do
Partido Socialista, a legislação por ele produzida, mesmo sabendo que a realidade não se
deixa amordaçar pela falsa consciência.
O Primeiro-Ministro e a equipa por ele nomeada para o Ministério da Educação tratam os
Professores como ignorantes e como preguiçosos que não se preocupam com a evolução da
personalidade dos alunos, com a sua progressão na sólida e bem fundamentada aquisição de
conhecimentos, pessoas mal formadas para quem é indiferente a reprovação ou abandono
do sistema de ensino por parte dos alunos. Se os professores não fossem pessoas
incompetentes cuja actividade subversiva, pondo em perigo o Sistema de Ensino, visa
apenas a conquista de privilégios, o Ministério da Educação tomaria a iniciativa de dialogar
francamente, e sem reservas mentais, com os professores sobre os problemas e os desafios
que se colocam à Escola neste século XXI.
Mas os Professores, cada um ou organizados em Movimentos de Professores e
Sindicatos, são considerados um conjunto de pessoas pouco sérias, e é por isso que o
Ministério da Educação se viu obrigado a publicar uma legislação não para uma sociedade
normal com uma escola constituída por pessoas normais: - a leitura atenta da legislação
produzida pelo Ministério da Educação nunca põe em destaque a positiva consideração do
trabalho docente; toda a legislação relativa aos professores (Estatuto da Carreira Docente,
modelo de gestão das escolas, legislação sobre os concursos e o sistema de avaliação dos
professores) é ditada por uma angústia persecutória dos governantes que, coerente com um
registo esquizo-paranóide, pretende “proteger” o sistema escolar dos malefícios dos
professores recorrendo a um maniqueísmo próprio desta teocracia laica que assenta na
religião e culto do chefe, legitima a sua falsa consciência com a produção ideológica dos seus
teólogos seculares, e à qual não faltam os indispensáveis e subservientes turiferários. Quem
for “ateu” e não praticar a religião do Estado incarnada no culto do Chefe é exemplarmente castigado tal como já foram, entre outros cidadãos deste país, muitos professores, alguns
dos quais se puderam reformar antes de cumprir a pena.
Sendo a Escola um aparelho ideológico de Estado, o actual governo do Partido
Socialista queria que este indispensável e tão importante aparelho ideológico se tornasse o
seu monopólio. Mas para isso é preciso subjugar os professores desrespeitando-os na sua
elementar dignidade de pessoas, afogando-os numa insensata actividade administrativaburocrática
que lhes limite e dificulte o exercício pleno e competente da sua função docente.
Toda a arquitectura do aparelho legislativo em construção, por parte do Ministério da
Educação, tem como objectivo último fazer da Escola não um espaço de desenvolvimento
integral da pessoa humana mas o lugar da aprendizagem de reflexos condicionados que
mutilem a legítima expressão da liberdade reduzindo as suas fronteiras ao culto da
heteronomia e ao exercício exclusivo do pensamento unidimensional sem o que ficaria
comprometida a “modernidade” do Partido Socialista, isto é, «a bem da Nação».
O governo do Partido Socialista e esta equipa do Ministério da Educação sabem que a
propaganda, de cujas técnicas têm sido exímios agentes, não encontra nos professores
acolhimento ingénuo e imaturo. Eles sabem que os professores exercem, com competência e
dedicação, o trabalho docente que os constitui como «intelectual orgânico» na sociedade, e
por essa razão há que legislar de modo a controlar eficazmente o exercício livre, consciente e
crítico do pensamento, nem que para tal seja necessário utilizar a razão como instrumento
para negar a própria Razão. Os professores ainda são, na nossa sociedade, uma reserva da
razão crítica contra a alienação socio-cultural a que o poder político exercido pelo Partido
Socialista nos quer submeter fazendo do uso equívoco da linguagem e da leitura distorcida
do real a base do seu discurso. O governo do Partido Socialista fez da generalização da
alienação a condição da sua manutenção no poder e quer fazer do sistema de ensino um
«campo de reeducação». Mas para o conseguir tem de subjugar os professores exigindo-lhes
que não pensem e que fiquem reféns das tarefas burocráticas a que os querem acorrentar
para não terem tempo para pensar; exigindo-lhes que renunciem a usar o seu saber para
denunciar os gravíssimos erros que o Ministério insiste em manter e agravar.
Este governo finge esquecer que os professores não estiveram todos estes anos à
espera de que Sócrates fosse Primeiro-Ministro para finalmente perceberem que
necessitavam de se actualizar científica e pedagogicamente. Não estivessem já os
professores actualizados quando Sócrates chegou ao poder, e fossem eles incompetentes e
vendidos às conveniências do poder temporariamente vigente, e este Governo já teria
conseguido realizar “a reforma do sistema de ensino”, por outras palavras, já teria
conseguido transformar a Escola no seu instrumento de domesticação ideológica. O que irrita
este governo é o facto de os professores não serem aquilo de são acusados; o que irrita este
governo é o facto de os professores serem gente empenhada e competente que por sua
própria iniciativa se valoriza cientificamente; o que irrita o Primeiro-Ministro e a equipa do
Ministério da Educação é o facto de os professores não trocarem a sua dignidade e a
dignidade dos alunos pelos interesses e pelas estratégias de um poder cego que não
conseguindo corromper-nos nos ataca e persegue. Os professores também estão irritados
com as atitudes deste governo. Mas a razão da nossa irritação fica bem explicitada com o
pensamento (Pensamento 80) de Pascal: «Donde vem que um coxo nos não irrita e um
espírito coxo nos irrita? Porque um coxo reconhece que nós caminhamos direitos e um
espírito coxo diz que somos nós que coxeamos. Sem isto, sentiríamos por ele piedade, e não
cólera.» Será possível que a maioria da classe docente seja tão torta e perversa para ousar
assumir posições críticas sem fundamento? Que mais é preciso para compreender as razões
que levam o Primeiro-Ministro e o Ministério da Educação a afirmarem, repetidamente e com
alguma perfídia, que os professores coxeiam?
Por que razão o Primeiro-Ministro e o Ministério da Educação consideram que a
competência científica e pedagógica dos professores é uma ameaça para o sistema de
ensino? Por que razão entendem que o exercício inteligente da razão crítica é uma ameaça e
mesmo um perigo? Justamente porque são competentes não seriam as pessoas com quem
dialogar para equacionar adequada e rigorosamente os problemas da Educação? Justamente
porque o seu dia a dia na Escola é uma constante interaccção teoria-prática, ninguém melhor
do que os professores para pensar a problemática da Educação e definir estratégias de acção
adequadas às exigências que cada tempo impõe.
O Primeiro-Ministro e o Ministério da Educação, que atacam a classe docente
insidiosamente, pretendem convencer a opinião pública de que os grandes responsáveis por todos os males do Sistema de Ensino são os professores, como se fôssemos um bando de
irresponsáveis. Esta estratégia do Partido Socialista meticulosamente desenvolvida com o
objectivo de descredibilizar os professores no conjunto da opinião pública é um perigoso
sinal de imaturidade humana e política:
Só tem medo da Razão quem ainda não é adulto;
Só quem é intelectualmente imaturo, vivendo entrincheirado numa consciência unilateral
(que por ser unilateral é sempre falsa consciência), tem a irreprimível necessidade de
desvalorizar todos os pontos de vista que não coincidem com o seu.
Só quem confunde o entendimento com a razão é incapaz de pensar a alteridade como
interior à própria identidade.
A gravidade da actual situação exige que nós, professores, assumamos sem medo a
defesa da nossa dignidade e não nos escondamos numa «aparente indiferença» à espera que
passe a tempestade. Como diz Spinoza: «Aquele que é conduzido pelo medo e que faz o bem
para evitar o mal, não é conduzido pela Razão» (Ética IV, Proposição LXIII). Vivemos uma
situação socio-política em que os governantes até a alegria de ser nos querem confiscar; e
também por isso nos irritam, aplicando-se-lhes integralmente o seguinte Escólio da
proposição de Spinoza acima citada: «Os supersticiosos, que sabem mais censurar os vícios
que ensinar as virtudes e que não procuram conduzir os homens pela Razão mas contê-los
pelo medo de tal maneira que evitem mais o mal que amem as virtudes, não pretendem
outra coisa senão tornar os outros tão infelizes como eles; e, por conseguinte, não é de
admirar que eles sejam, a maior parte das vezes, insuportáveis e odiosos aos homens.»
Gostamos de ser professores e não podemos permitir que nos roubem a Alegria de ser quem
somos.
Esta hora é de luta!
Lutemos antes que seja tarde; não esperemos que o outro nos substitua e lute em nossa
vez.
E no meio da luta não azedemos, mantenhamos a poesia:
«Canta, poeta, canta!
Violenta o silêncio conformado.
Cega com outra luz a luz do dia.
Desassossega o mundo sossegado.
Ensina a cada alma a sua rebeldia.» (Miguel Torga –Voz Activa)
Um abraço solidário do José Jorge Teixeira Mendonça