Isabel Pires, membro da Direcção do SPGL, declara em entrevista para o semanário francês “Informations Ouvrières”:
A luta dos professores diz respeito a toda a sociedade portuguesa
Pergunta: Tu és dirigente do maior sindicato dos professores portugueses – o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), membro também da principal Federação sindical de professores (a FENPROF) – e tens estado, com todo o sindicato, no centro da luta e da mobilização histórica dos professores portugueses. Consideras que esta luta diz apenas diz respeito aos professores, como o Governo afirma a cada momento, para afirmar que as suas reformas não podem estar dependentes de uma corporação?
Isabel Pires (IP): Essa afirmação do governo Sócrates é um disco riscado, tal como o da Ministra da Educação que afirmava despudoradamente: “Perdi os professores, mas ganhei o país”.
A mobilização massiva dos professores e educadores, fechando as escolas por inteiro, ou a 95%, e as suas declarações, tal como a de toda a Plataforma Sindical, é a de que estão a defender a Escola Pública. Como é dito em múltiplas faixas: “Assim não se pode ensinar! Deixem-nos ser professores”.
Quem está numa escola sabe que o nosso trabalho é preparar aulas, estudar, ensinar, avaliar e ajustar, a cada momento, as respostas que considerarmos mais adequadas para os nossos alunos. Isto implica tranquilidade, trabalho de equipa, implica mais professores, nomeadamente no ensino especial, implica que os professores tenham mais autonomia e vivência democrática.
Todas as “reformas” que este Governo tem procurado impor em relação ao ensino, e, em particular, contra os professores, são medidas economicistas que levam ao desmantelamento da Escola Pública e à privatização da educação, possibilitando só às famílias com melhores capacidades económicas o acesso a um Ensino de qualidade, e as famílias sem capacidade económica e socialmente mais fragilizadas ficam sem possibilidade de escolher uma boa escola para os seus filhos.
Em relação ao novo modelo de Gestão, dos Directores/Reitores, acaba com a vida democrática nas escolas. Este novo paradigma apresenta sérios riscos, os quais é importante que os Pais e a população se apercebam. Uma escola fechada em si própria, a uma única voz, onde as vozes dos interessados não contam. Torna-se numa escola descontextualizada, no tempo e no espaço, feita por e para mentes acríticas, formando jovens acríticos.
Mas os professores estão vigilantes e conscientes; por isso, a negação desse tipo de modelo de Gestão faz parte das suas reivindicações.
Outro projecto do Governo será a Municipalização da Educação, com o qual também não estamos de acordo. O Sistema Educativo terá que ser nacional, respeitando as especificidades locais, mas nunca entregue a pequenos poderes com abertura para desigualdade de procedimentos.
A nossa luta é não permitir esta destruição, o que passa pela suspensão desta avaliação do desempenho docente – que, aliás, grande parte das escolas já suspendeu, respondendo ao apelo da Plataforma Sindical, feito na manifestação dos 120 mil – pela exigência de um Estatuto da Carreira Docente sem a divisão dos professores em categorias, sem provas de ingresso na carreira, por um sistema de avaliação dos docentes baseado na componente científico-pedagógica, sem quotas, formativa e não feita na secretaria, destinado a melhorar a prática de cada professor e a qualidade de ensino e elevar os padrões de qualidade de cada Escola.
Travar e ganhar esta batalha é garantir uma Escola Pública para todos, tal como está consignada na Constituição Portuguesa.
Pergunta: Consideras que esta ofensiva do governo ultrapassa o âmbito nacional?
IP: Trata-se de uma ofensiva da União Europeia, cujo carácter visa essencialmente reduzir os encargos com as funções sociais do Estado, onde a Escola Pública está incluída.
O congelamento da progressão na carreira foi imposto aos professores e a todos os funcionários públicos, durante 28 meses, tal como a divisão dos professores em “titulares” e “professores”, para que dois terços não passem do meio da carreira, visam essencialmente cumprir o Pacto de Estabilidade da UE (PEC).
São medidas que ficam contidas na própria lei do Orçamento de Estado, para respeitar os compromissos com Bruxelas.
Penso também que não podem deixar ficar para segundo plano a perda do vínculo ao Estado dos funcionários públicos. É preciso lembrar que os professores, a partir de Janeiro, com a nova lei da contratação para a Função pública, deixam de ser funcionários públicos, tal como todos os outros trabalhadores da Função Pública. Só os lugares de topo dos corpos especiais – Justiça, Segurança e Defesa e Corpo Diplomático – manterão o vínculo ao Estado. Todos os outros, até agora efectivos, passarão a ter um contrato de trabalho sem termo e os restantes, que eram trabalhadores sem vínculo ao Estado, passam a ter um contrato com termo. Com esta lei perdemos uma série de direitos adquiridos e perdemos estabilidade laboral.
Os mesmos critérios economicistas, impostos por Bruxelas, levaram o Governo a encerrar milhares de escolas e outros serviços do Estado, no quadro da aplicação do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), um programa que visa cortar um terço dos serviços centrais do Estado. As populações ficam sem escolas, serviços de saúde de proximidade, esquadras da polícia, tribunais, etc. Em relação às escolas estão concentradas em mega-agrupamentos, obrigando as crianças a deslocar-se muitos quilómetros. Portugal está a ficar descaracterizado, com regiões inteiras desertificadas, com uma população muito envelhecida, sem produção agrícola nem industrial, sem serviços públicos, sem população activa. No entanto numa pequena faixa litoral concentra-se toda a população, com problemas de urbanismo, e todos os problemas que daí resultam.
Ao mesmo tempo que impõem estas medidas para liquidar os serviços públicos, atacam o Código Laboral de todos os trabalhadores. Foi por isso que a CGTP organizou manifestações massivas, 200 mil diante da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da UE, em Outubro de 2007. Os trabalhadores portugueses não aceitam a flexigurança nem a destruição da contratação colectiva, que também vem de Bruxelas. Mas nada aconteceu.
Pergunta: Sendo estes ataques programados a partir das instituições da UE – logo, levados à pratica também nos outros países, mesmo se provavelmente com formas diferenciadas – não consideras que poderia haver uma procura de respostas em comum?
IP: Deveríamos caminhar para uma procura de soluções conjuntas. Obviamente que cada país tem as suas próprias características, as lutas dos seus trabalhadores organizam-se de acordo com a sua própria cultura política e organizativa. Mas isso não significa que os trabalhadores – e, em especial, os seus dirigentes sindicais – não procurem encontrar-se para conseguirem delinear estratégias de acção comuns capazes de derrotar estes planos anti-sociais, saídos da UE.
Alias, nós precisamos de uma outra União Europeia, uma verdadeira União na qual os governos de cada país possam acordar políticas de cooperação e de troca, sobre a base da soberania de cada povo. Isso não tem nada a ver com a União Europeia dos banqueiros e dos grandes capitalistas, que é esta da qual é preciso sair.
Pergunta: O que pensas do plano de salvamento do capital financeiro?
IP: O objectivo deste plano é salvar e estabilizar os mercados financeiros, com o nosso dinheiro, o dinheiro dos impostos. Com a agravante que eles apenas estão a tomar medidas a prazo. Estão apenas a adiar a falência e a derrocada de um sistema. Veja-se como está Portugal, com estas medidas.
É preciso um plano de socialização dos meios de produção, para começar a pôr todas as riquezas ao serviço do Homem.
Chegámos a um estádio de desenvolvimento científico e tecnológico que permitiria resolver os problemas de toda a Humanidade. É um estádio de desenvolvimento que, logicamente, deveria colocar o Homem no centro. Mas, paradoxalmente, tudo é ao contrário. Em vez de o Homem estar no centro, está a defesa de um sistema que utiliza exactamente todo esse progresso científico e tecnológico para nos explorar ainda mais, para nos escravizar, ou pôr-nos a competir com a escravatura.
É um paradoxo falar na “Sociedade do Conhecimento” e ao mesmo tempo, as “reformas” dos governos servirem não para aumentar o conhecimento das jovens gerações, mas para os analfabetizar, que é o que o Governo está a fazer à Escola Portuguesa.
É urgente parar e pensar na gravidade de tudo isto!
Pergunta: Tu subscreveste o apoio à delegação de sindicalistas europeus que foi recebida por um representante do Comissário europeu para o Emprego, os Assuntos Sociais e a Igualdade de Oportunidades, visando exigir a anulação das sentenças do Tribunal Europeu de Justiça, tomadas contra os sindicatos da Finlândia, Suécia e um Land da Alemanha, porque estes impuseram o cumprimento das prerrogativas contidas nos contratos colectivos de trabalho dos sectores de trabalhadores dos seus países. Este representante da Comissão europeia respondeu à delegação que não poderia alterar aquelas sentenças, aliás tomadas com base nos Tratados que regem a UE.
No seguimento dos passos que já foram dados eles apelam, em conjunto com o Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AIT), a uma Conferência Europeia, a realizar nos dias 6 e 7 de Fevereiro, em Paris, pela revogação dessas sentenças, afirmando que não admitem que leis supranacionais se imponham às leis nacionais, revogando direitos conseguidos com a luta dos trabalhadores de cada país.
Estás de acordo com esta iniciativa?
IP: Estou de acordo. Numa altura em que os grandes que mandam no mundo se reúnem para procurarem as melhores maneiras de manterem o seu domínio, os trabalhadores e os povos também se devem encontrar, para lhes responder.
Considero que, na Conferência de Paris, deverão estar representados sindicalistas portugueses. Se for necessário, se for considerada a pessoa indicada e me for possível estarei disponível para participar nela.
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