Nos próximos meses assistiremos a negociações entre o Ministério e os Sindicatos. O que vai estar em cima da mesa vai ser o Estatuto da Carreira Docente, o Modelo de Avaliação e mais um ou outro afloramento do iceberg que calhe estar na ordem do dia. Sobre estes assuntos, cada uma das partes fará muitas cedências, poucas cedências ou nenhumas cedências conforme o poder negocial que tenha na altura. Nada disto é importante.
O que não estará em cima da mesa é a parte submersa do iceberg. E os professores sabem disso. E porque os professores sabem disso, tanto o Ministério, como os sindicatos estão em pânico. Sentados à volta da mesa, não se ouvirão uns aos outros: terão os ouvidos apurados só para os primeiros sinais de que o Comendador de Pedra se prepara para entrar na sala.
Os gatos saíram do saco e ninguém os vai conseguir meter lá outra vez. Os professores portugueses politizaram-se e ninguém os vai despolitizar. Perceberam que estão frente a frente duas concepções de escolas incompatíveis nos seus pressupostos, na sua concepção do humano e acima de tudo nos interesses que servem. De um lado, aquilo que apareceu referido nos cartazes como a Escola Pública e a que os nossos colegas franceses chamam, talvez com mais propriedade, a Escola Republicana, que se define pelo acesso de todos ao melhor que a nossa civilização oferece. Do outro lado, o inimigo: a escola tecno-burocrata, para a qual não há «civilizações», mas sim «economias», e cujo projecto consiste em ensinar uma pequena elite económica, ficando reservado a todos os outros aquilo a que Maria de Lurdes Rodrigues chama «qualificação».
A luta entre os professores o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.
Comentário:
O problema é de ordem política porque o modelo que em três anos, MLR institui na Escola a que nós chamamos pública, ( e sobre este termo muito há a reflectir neste momento) é um modelo empresarial incompatível com a Escola que a grande maioria dos cidadãos e professores portugueses defende e em cada dia, tenta construir e aprofundar: a Escola ao serviço da Comunidade, a Escola, vanguarda do conhecimento e do saber, a Escola alicerçada nos Valores e Direitos Universais do Homem. Ora, esta Escola não cabe nos novos estatutos, no director, na avaliação formatada e repleta de arbitrariedades, na contratação, etc, etc,... Por isso, é que não há uma única medida tomada por MLR que sirva a Escola que defendemos, por isso é que há que dizer: não à avaliação, porque a avaliação foi um instrumento forjado por patrão para legitimar despedimento, quando as leis laborais podem ser entrave, ou a atribuição de benesses, quando as razões são nebulosas. Esta é também os pressupostos da avaliação de MLR. Se a senhora ministra tivesse propósito nobre e humano, não teria suspendido, em 2005, um dos instrumentos que faz com que os professores se tornem melhores, a Formação. Há que dizer claramente, e parece que ninguém claramente o diz: Não à avaliação. Professor não é chouriço que se meta em forma modelada pelo Poder dominante, isso era designio do Estado Novo, professor ttem que fazer formação todos os dias, porque todos os dias aprende e ensina. Só a avaliação formativa é construtora, só essa permite que sejamos melhores, só essa é honesta, só essa aceitaremos.
MLR destruturou em 3 anos, a Escola que em 30, fomos construindo: todas as leis, decertos-leis, despachos, regulamentos....em que a Escola que estava em construção assentava, foram revogados, Houve um "golpe de estado" na Educação, aliás como em demais sectores da sociedade portuguesa, legitimado pela "maioria democrática" conseguida nas urnas. Pergunto:
Estava no programa do governo fracturar a Carreira docente?
Estava no programa do governo encerrar 3000 escolas?
Estava no programa do governo transferir essas crianças para a periferia, libertando espaços nobres nos centros das populações que darão luxuosos condomínios e agências bancárias?
Estava no programa do governo apresentar uma prova a um aluno que falta às aulas, perguntando-lhe o que não lhe foi ensinado? Estava no programa do governo acabar com a formação dos professores?
Estava no programa do governo aumentar a carga lectiva, vendo-se um professor com 30 anos de serviço com 25 horas lectivas, acrescidas de dezenas de outras provocadas pelos desvarios governativos?
Estava no programa do governo aumentar o nº de professores desempregados por acréscimo do trabalho dos professores no activo?
Estava no programa do governo a contratação directa de professores, fazendo com que, no futuro próximo, um professor possa andar 20 anos com contrato a prazo?
Estava no programa do governo que a ocupação dos tempos livres das crianças fosse assegurada pelos professores?
Estava no programa do governo que avaliação dos professores fosse um modelo formatado e um processo sinuoso e subjectivo ao serviço das arbitariedades do Poder?
Estava no programa do governo acabar com a democracia na comunidade escolar em que os membros integrantes das diversas estruturas surgiam por eleição e passem, agora, a surgir por nomeação?
A resposta a estas e tantas outras perguntas que podemos formular é a mesma: não. Por isso, há uma correcção que urge fazer a um comentário feito há cerca de umas semanas, pela Drª Ferreira Leite: dizia a senhora, que tinha sido uma ironia o facto de dizer que a ministro Socrates daria jeito suspender, por 6 meses, a democracia. Acho que a figura de estilo não foi a ironia, mas um eufemismo, uma vez que a democracia está suspensa há 3 anos. (A.A.)
Parabéns pelo teu texto, Anabela, estamos de facto perante um regime autoritário e, ainda por cima, incompetente.
O texto do José Luís Sarmento pareceu-me interessante precisamente por ir ao cerne da questão no que respeita à escola pública.
Com efeito, o governo, quando faz as pseudo-reformas, fá-las sempre em nome da escola pública, só que o seu conceito de escola pública é o da escola tecno-burocrata como o nosso colega refere no seu texto.
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