domingo, março 02, 2008

Resistências Colectivas - Um Emocionado Testemunho de Braga

«Hoje. Em Braga. A partir das 21:30. Foram chegando. Abraços apertados com anos de espera. Velhos amigos. Velhos conhecidos. Surpresas enormes. Sorrisos. Chegavam em grupos. Chegavam sozinhos, mas logo alguém chamava. As pessoas juntavam-se aos seus pares de escola. Aos conhecidos de outras escolas. Uma sinceridade. Uma afectividade. Que há muito não se sentia. Sentiam-se gente. Pessoas. Uma catarse que fez tão bem. Afinal, estavam ali todos. Só não estava quem não pode mesmo. E os que não estavam porque estão do outro lado, não fizeram falta nenhuma. Primeiro, na Avenida Central. A praça grande pareceu pequena. Subindo o rebordo do chafariz ao centro, via-se em redor a multidão a encher a praça. A transbordar pelas ruas que lá iam dar. Uma alegria. Braga estava unida. Braga estava cheia. Braga estava pacificamente e alegremente na rua. Depois um desfile informal sem palavras de ordem. A hora era de contar histórias. De lembrar tempos. De lembrar colegas. Nem se sabia bem até onde era o desfile. Também não era preciso. Estava-se unido. Estava-se ali. Isso é que interessava. E assim se chegou à Praça do Município. Encheu-se. Transbordou para as faixas laterais do jardim. A toda a volta. Só um cartaz grande. Alguns em A4. Não houve discursos. Palavras de ordem, só duas: A luta continua, ministra para a rua; a escola não é tua, ministra para a rua. Também o canto já conhecido: Vai-te embora, vai-te embora, vai-te embora, vai-te embora. Eram milhares. Num cálculo por defeito, aí uns cinco mil. Mas acho que seriam mais. Rostos calmos. Rostos contentes. Pessoas felizes. Porque, afinal, cada um viu por si que não estava só. Muita esperança. Ainda se acredita. Foi lindo de morrer ver professores reformados, alguns já bem velhinhos, saírem à rua com a alma viva de professores que foram. De professores que são. Foi lindo de morrer ver os professores mais velhos, do último escalão, ali em peso, com a alma viva de professores que querem continuar a ser. Foi lindo de morrer ver os professores mais novos achegar-se aos mais velhos, seus antigos professores, abraçando-os numa cumplicidade solidária de gerações, fazendo questão de mostrar-lhes que também estavam ali. Obrigado colegas. Obrigado amigos. Obrigado alunos. Estávamos a precisar disto. Para não enlouquecermos. Obrigado, colegas de escola. Foi tão bom ver-vos. Nem imaginam. Obrigado colegas de escola por terem tido a coragem de serem solidários manifestando publicamente o vosso descontentamento, bem antes de saberem que o protesto dos professores se ia generalizar. Aquele abaixo assinado que fizeram pôs-vos na linha da frente. Eu pedi já aqui, antes de tudo isto, a demissão da ministra. Com o "Prós e Contras" de segunda-feira, percebeu-se bem que a ministra não tem condições algumas seja de que espécie for, para continuar ministra. Só não percebeu quem não quis. As manifestações públicas dos professores, em várias cidades, têm provado isso mesmo. E hoje, em Braga, isso foi muito claro. Já não há ministra. Ela pode lá estar. Mas já não o é. Obrigado colegas. Vemo-nos em Lisboa no dia 8 de Março.» António Mota (Professor na Escola Secundária D. Maria II, Braga)

in Educação do Meu Umbigo, 1/3/08

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