quarta-feira, outubro 08, 2008

Reflexão sobre o papel dos sindicatos

Companheiros/as de profissão docente e todos/as os/as trabalhadores/as!
Temos de reflectir sobre o estado em que se encontram as lutas sociais neste país à beira-mar plantado!
Temos de reflectir como é possível ter-se chegado a uma situação em que um governo, eleito na base de promessas que pareciam absolutamente justas a uma consistente maioria de eleitores, no dia seguinte às eleições começou logo a desrespeitá-las e a fazer aquilo que nem sequer os seus opositores políticos mais directos tinham alguma vez sonhado fazer.
Lembro-vos que as posições dos que mandam despoticamente no país, a pretexto de uma «maioria absoluta», que em democracia nunca poderia significar «poder absoluto», estão cada vez mais claras. Porém, o sentido que quiseram dar à governação esteve logo patente nos primeiros meses, com o aumento da idade da reforma e agravamento das condições para dela usufruir, além da injusta e iníqua redução dessa reforma a centenas de milhares, milhões de trabalhores a pretexto do aumento da esperança de vida!
No ensino, ao avançar a Fenprof com uma greve geral mal conduzida, porque desde o príncípio não foi discutida e aprovada em assembleias democráticas, redundou num vexame sindical, com muitas pessoas a irem contrariadas fazer as vigilâncias de exame, sabendo que o governo estava a usar de prepotência e a abusar da figura da «serviços essenciais», com (ainda por cima) ameaças de processos aos que se recusassem a vergarem-se!
Foi neste contexto que se deu a primeira traição da Fenprof, no decorrer deste governo. Com efeito, não houve um enfrentar do poder arbitrário, não houve um congregar de energias, não houve um apelar para a solidariedade com os outros trabalhadores da função pública - igualmente afectados por muitas das medidas que recaíram sobre os docentes- nem houve mais do que umas declarações e queixas «pro-forma» traíndo a expectativa e o desejo de resistência de toda uma classe profissional e para além disso, de todo o sector da administração pública, que recebeu o fracasso da greve geral dos docentes como sinal de que não se encontrava em condições de enfrentar este governo, mesmo perante a ameaça a direitos vitais dos trabalhadores, como é o caso das reformas.
Foi assim um fácil «quebrar a espinha» do movimento sindical por parte do goveno e da ministra da educação, com a ajuda da sua própria cúpula.
Depois, apresentou o governo um projecto de ECD com uma série de aspectos inconstitucionais, subvertendo o espírito do anterior estatuto. A enorme indignação suscitada em toda a classe docente esteve na base da união de sindicatos de docentes numa plataforma. Infelizmente, devido ao burocratismo e oportunismo que imperam sobretudo nas cúpulas, esta não soube fazer mais do que uma simbólica e ineficaz manifestação no dia do docente, 5 de Outubro. Fomos nós desfilar (mais uma vez) para nada.
A segunda traição foi-se desenvolvendo à mesa «negocial», com as organizações a recusarem assinar o novo estatuto, para logo de seguida, aceitarem (em Janeiro 2007), após a sua promulgação pelo governo (e sem assinatura de uma única organização sindical docente!) se sentarem a «negociar» a regulamentação de um diploma cujo conteúdo veementemente recusaram. Fizeram isto todos os sindicatos docentes, que são cada vez mais corporativistas e mais clientelares do poder.
A partir daqui, o regulamento do ECD sendo aprovado, a avaliação de desempenho seria necessariamente fixada por uma série de diplomas previstos no próprio ECD.
As movimentações destinadas a colocar em cheque esta política, surgiram em Janeiro de 2008, dinamizadas por um conjunto de pessoas à margem dos sindicatos burocráticos (ou seja de todos). Os seus impulsionadores, ou se posicionaram sempre à margem deste movimento sindical fortemente conotado com os partidos, ou se distanciaram num momento ou noutro, ou ainda embora participando em sindicatos, estavam marginalizados pela burocracia instalada. Foi esse número diminuto de pessoas (de que eu fiz parte), que impulsionou as primeiras reuniões, as primeiras vigílias e os primeiros plenários.
Os sindicatos vieram a seguir, no fundo dando o dito por não dito, visto que estavam amarrados pés e mãos pela «negociação» da regulação do ECD e para eles (cúpulas) esta constestação só poderia ser assumida como uma reviravolta. Aparentemente, assim foi: os sindicatos apadrinharam as manifestações locais, promoveram eles próprios a mobilização de 8 de Março.
A sua estratégia de controlo do «movimento de massas» foi perfeita... com um senão: muitos de nós já conhecíamos o «filme» por o ter visto em «n» versões no passado.
Houve uma consciência aguda de traição das cúpulas, quando esta movimentação se traduziu no acordo da Páscoa de 2008. Um acordo que desarmava as hostes que queriam lutar nos locais de trabalho, que iria dar campo para todas as manobras do ME.
Apesar dessa consciência de terem sido traídos, é dramático que, muita gente, obnubilada com o «complexo de esquerda» ( o que é de esquerda é bom, os dirigentes sindicais «de esquerda», estarão sempre do nosso lado e outras ingenuídades do género...) não viu que a condição mesmo para esta política passar é que tinha pela frente um movimento sindical largamente controlado por umas cúpulas burocráticas, que «fazem que andam mas não andam»... gritam muito, mas não mordem, enfim cúpulas que servem perfeitamente o fim de manter a ilusão nos trabalhadores de eque estes estão a ser «defendidos» quando não estão. Os seus direitos estão a ser vendidos («negociado» ... o que deveria ser inegociável!) em sucessivas rondas de pseudo-negociações.
O poder PS é totalitário por vocação, mas só pode sê-lo porque tem a conivência disfarçada (caso da CGTP) ou aberta (todos os outros) dos sindicatos.
A miopía política e social que afecta muita gente em Portugal, também afecta (e até um pouco mais) os docentes, pois apesar de tanta evidência de traições sucessivas, não realizam o saneamento necessário das estruturas sindicais, não compreendem que a luta sindical é para ser organizada desde a base, desde dentro dos estabelecimentos e não a partir das secretárias e gabinetes alcatifados dos dirigentes sindicais.
O mandato que os membros dos sindicatos dão aos seus dirigentes é revogável, embora as cláusulas dos estatutos por vezes sejam omissas, é um direito que assiste sempre a um grupo de sócios (convocar uma AG de Sócios para revogar o mandato de dirigentes traidores).
Será que ainda estão na ilusão do «complexo de esquerda»?
Pensarão alguns: « os dirigentes são membros de partidos socialistas ou comunistas ou de esquerda; terão algo de bom porque comungam com a minha ideologia». Nada mais falso: a ideologia verdadeira deles é a ideologia do poder. Podem mascarar-se de várias coisas, mas apenas para se manterem, no poder, nos seus lugares. São hierarcas e são apenas fieis aos seus interlocutores governamentais: não se sentem obrigados perante «as massas» ... «cavalgam-nas» como eu já ouvi, em conversas particulares alguns desses «dirigentes» dizerem, com mal disfarçado desprezo pelos seus colegas.
Um grupo profissional, que no passado se posicionou «à esquerda», foi foco de «rebeldia» face ao poder, está hoje proletarizado e sem nenhum prestígio social que já teve, em eras longínquas.
Mas, o essencial ultrapassa - em muito - a questão de uma «classe» profissional e diz respeito a todos os trabalhadores:
- Os métodos usados para vergar os docentes são particularmente anti-democráticos, arbitrárias as categorias em que foram encerrados, violentamente hierárquicas as formas de avaliação impostas, sem qualquer respeito pelos direitos e garantias consignados na constituição e na lei (em particular, o direito de tratamento com equidade, o direito de recurso, o direito de iguais oportunidades...).
- A um nível mais amplo, o governo age como um órgão de propaganda permanente, lançando campanha demagógica atrás de campanha, para fazer crer que está a fazer «obra». Num povo castigado muitos anos pelo analfabetismo, é fácil fazer passar gato por lebre e é difícil fazer distinguir o trigo do joio. Mas os docentes e os outros tinham e têm o dever de explicar (com toda a pedagogia que são capazes, a quem não tem contacto directo e pessoal com o quotidiano do sistema), como estas pseudo-reformas, na realidade são recuos, vão piorar a prazo (senão imediatamente) a situação das aprendizagens na escola pública.
Cabe aos professores e restantes trabalhadores da educação, assumirem uma atitude adulta e colocar perante as suas responsabilidades os dirigentes sindicais traidores: devem ser exigidas AG onde sejam desmascarados os seus comportamentos dúbios, de cedências, de desrespeito pela palavra dada, de desprezo pela opinião, mesmo quando claramente expressa, dos docentes em geral, e até mesmo dos próprios sócios.
Agindo assim, poderão um dia retomar o caminho da luta verdadeira, poderão um dia reconstruir estruturas sindicais (essenciais enquanto houver opressores e oprimidos, enquanto houver capitalismo).
A partir daqui, terão começado a ir ao encontro dos outros trabalhadores, em particular os da administração pública, sujeitos aos mesmíssimos ataques, mas também aos trabalhadores em geral, pois são eles que colocam os seus filhos na escola pública. Ora, se a escola pública se degrada haverá um reforço e não uma atenuação das desigualdades sociais: certamente serão os filhos dos trabalhadores, não os da burguesia, a sofrer com isso.
Por um sindicalismo democrático, independente, de base e combativo!
Solidariedade,
Manuel Baptista

Nenhum comentário: