A luta dos professores portugueses: entrevista com Mário Machaqueiro (APEDE)
DAQUI12 de Março de 2009
Categoria: Portugal
Uma esclarecedora entrevista, reveladora da importância dos movimentos espontâneos da base que se vão estruturando como forma de pressão dos professores sobre os sindicatos e o governo.
No sábado, dia 7 de Março, as organizações de professores em Portugal promoveram um “cordão humano” de alguns quilómetros que se estendeu do Ministério da Educação ao Largo do Rato [sede do PS, Partido Socialista, no governo] e depois se concentrou
Passa Palavra (PP) - Por que lutam os professores portugueses presentemente, e qual foi a evolução dessa luta nos últimos anos?
Mário Machaqueiro (MM) - Os professores estão em luta contra um conjunto de políticas governativas, plasmadas na legislação que se foi abatendo sobre as escolas desde que a actual maioria PS assumiu funções governativas, políticas que visam proletarizar os professores, degradar a sua condição de assalariados e o seu estatuto de transmissores do conhecimento, ao mesmo tempo que acentuam a transformação dos estabelecimentos de ensino público em meros depósitos de crianças e de jovens nos quais se encontram minados os meios de comunicação do saber e de apropriação crítica e criativa do conhecimento. Os professores lutam contra a divisão espúria da carreira docente em titulares e não titulares (professores ”de primeira” e “de segunda”), com barreiras artificiais na progressão salarial e uma desvalorização efectiva do trabalho produzido por muitos docentes, contra um modelo de avaliação que procura converter os docentes em fabricantes de sucesso escolar artificial, para efeitos meramente estatísticos, e contra um modelo de administração escolar que destrói a colegialidade e a partilha democrática no processo de tomada de decisões, colocando todo o poder nas mãos de um director que passa a ser uma mera correia de transmissão dos ditames ministeriais.
A luta dos professores evoluiu em três tempos: de Fevereiro a Março de
O desafio que os movimentos e os sindicatos agora enfrentam é o de encontrar formas de luta que reunifiquem os professores, sabendo que muitos dos que cederam na entrega dos objectivos individuais o fizeram por medo face às chantagens do Ministério e pela vulnerabilidade em que se acham muitos docentes sem vínculo à função pública.
PP - Por que luta a APEDE em particular, e porquê e como nasceu a ideia de criar essa associação? Qual a sua implantação e forma de funcionamento? O que a distingue de outras, como o MUP, o MEP, o PROMOVA ou a CDEP? Qual a sua relação, se é que existe, com estruturas sindicais como a FenProf ou os sindicatos regionais?
MM - A APEDE (Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino) constituiu-se a partir de uma reunião que, a 23 de Fevereiro de 2008, juntou nas Caldas da Rainha cerca de 500 professores oriundos do norte, do centro e do sul do país. O seu objectivo é lutar contra as políticas acima referidas, mas também propor, na base de uma reflexão o mais partilhada possível, novas ideias para uma reformulação profunda do sistema de ensino em Portugal. Infelizmente, a necessidade de responder à urgência da luta que temos travado tem-nos impedido de cumprir este último objectivo.
O que distingue a APEDE dos outros movimentos é a sua base institucional enquanto associação legalmente constituída. O nosso propósito é congregar, numa estrutura mais estável e duradoura, os diferentes movimentos independentes de professores que foram surgindo em diferentes regiões do país, de modo a contrariar a tendência para uma certa volatilidade que poderá caracterizá-los. Infelizmente, a cultura fragmentária que grassa entre os professores tem impedido que este objectivo seja realizado, embora, por outro lado, isso também contribua para a pluralidade e a riqueza cívica que tem marcado a emergência dos vários movimentos. Nesse sentido, a APEDE acaba por ser um movimento entre outros, apesar da sua componente associativa. Não temos quaisquer ligações a sindicatos, ainda que vários dos nossos membros sejam sindicalizados. O nosso propósito é complementar a acção sindical e constituir, ao mesmo tempo, uma consciência crítica dos limites que, por vezes, bloqueiam a intervenção política das organizações sindicais. Neste momento, a APEDE conta, sobretudo, com sócios no norte, no centro e na região da Grande Lisboa.
PP - Que factores foram, a seu ver, decisivos para a espectacular mobilização que já por duas vezes os professores conseguiram para as suas manifestações (em 2007 e 2008)?
MM - A grande mobilização dos professores assenta numa conjugação de factores: o facto de se ter atingido um ponto de saturação perante a forma arrogante e ofensiva com que a equipa do Ministério da Educação tratou os professores, fazendo deles o bode expiatório de todos os males do sistema educativo e apresentando-os à opinião pública como um grupo socialmente privilegiado, explorando com isso o ressentimento social de modo a conseguir apoio para uma política de redução de direitos laborais; o facto de terem surgido movimentos independentes dos partidos e dos sindicatos que muitos professores encararam como uma emanação genuína da classe docente, porque não comprometida com agendas extrínsecas aos interesses dos professores; o facto de a blogosfera se ter constituído como uma plataforma de troca de ideias e de informação, contribuindo para mobilizar os docentes à margem dos canais tradicionais.
PP - Nesta luta, os professores têm tido apoio concreto de outras classes profissionais - da educação ou não -, dos estudantes e dos pais de alunos? Ou considera que essa luta se tem limitado, ou que alguém a procura limitar, aos interesses restritos dos professores?
MM - Tem sido uma preocupação dos movimentos não afunilar a luta dos professores em torno de questões meramente corporativas, pois aquilo que está hoje ameaçado é a própria natureza democrática da escola pública e o futuro de um sistema educativo capaz de conciliar a exigência e o rigor com a inclusão social. Nesse sentido, a APEDE chegou a encetar contactos com associações de pais, quer a nível local, quer a nível mais alargado. Infelizmente, a nossa falta de tempo não tem proporcionado que esses contactos se sistematizem numa plataforma conjunta, e nós entendemos que essa é uma grande lacuna do movimento global dos professores. O combate pela opinião pública e a capacidade de contrariar a propaganda intoxicante do Governo ainda não foram ganhos pelos professores e pelas suas organizações representativas.
PP - Que saída - profissional e/ou política - pensa que pode haver para esta confrontação com o governo? Como avalia as possibilidades actuais de os professores saírem vencedores?
MM - O desenlace da luta dos professores vai depender, em muito, da capacidade de os sindicatos se manterem unidos na Plataforma e firmes no sentido de não embarcar em quaisquer negociações à revelia dos anseios da classe docente. Além disso, o sucesso desta luta terá necessariamente de passar pela sua radicalização no terceiro período do presente ano lectivo, uma radicalização assente em greves mobilizadoras e eficazes nos seus efeitos (a greve às avaliações é uma possibilidade que está agora a ser equacionada, quer pelos movimentos, quer pelas direcções sindicais). A frente de combate no plano jurídico e judicial que se abriu recentemente poderá também contribuir para forçar o Governo a ceder em pontos essenciais. Acreditamos que só a cedência completa por parte do Governo, e ainda neste ano lectivo, em aspectos como a divisão da carreira e o modelo de avaliação representará um sucesso para os professores, impedindo que esta ou outra maioria governativa possa implementar outras tantas pseudo-reformas que já estão previstas e que, caso se instalem no sistema de ensino, irão desfigurar definitivamente o que resta da profissão docente e da escola pública neste país.
PP - Que outros aspectos desta luta, não referidos acima, entende realçar?
MM - Destaco um aspecto que me parece relevante: o facto de o surgimento de movimentos independentes de professores ter contribuído para acrescentar formas novas de democracia participativa num país que, em regra, se caracteriza pela apatia e pela inércia da participação cívica. Trata-se de um fenómeno inédito, em grande parte impulsionado pela rede comunicacional da Internet, que partidos e sindicatos devem procurar compreender e acarinhar em vez de se esforçarem por querer controlar ou esmagar.
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