domingo, maio 25, 2008

Admissão de alunos feita segundo origem sócio-económica

FERSAP, Grândola

Foram ouvidos na Assembleia da República os autores de dois estudos que revelaram que há escolas públicas que escolhem os alunos com base na sua origem sócio-económica. "Empurram" alunos com histórias de insucesso e origem social e cultural de um nível mais baixo para outras instituições de ensino, que acabam por ser consideradas mais problemáticas.

Leia Mais... e Comente

Os sociólogos João Sebastião e Pedro Abrantes, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), concluíram que, contra o que está inscrito na lei, muitas escolas "empurram" alunos com histórias de insucesso e origem social e cultural de um nível mais baixo para outras instituições de ensino, que acabam por ser consideradas mais problemáticas. "Há escolas que têm uma política sistemática de criar mecanismos selectivos voluntariamente, o que é anticonstitucional porque cria por outro lado escolas onde o insucesso é fortíssimo", afirmou hoje na comissão parlamentar de educação o sociólogo João Sebastião. Em duas das escolas que analisou, na periferia de Lisboa, João Sebastião verificou que os alunos se matricularam numa delas em Junho e quando chegaram a Setembro não tinham vagas tendo de recorrer a uma segunda opção. "Enquanto a primeira tinha uma elevada percentagem de filhos de licenciados e melhores condições, a outra mais abaixo era feita de pavilhões com mais de trinta anos, onde não havia um filho de licenciado", explicou. Para esta segregação, além da escola, contribui ainda a pressão das famílias."Cada pai procura o melhor para os seus filhos e acaba por pressionar a escola a afastar os alunos com piores resultados, não necessariamente porque procura desvantagem para os outros, mas porque quer o melhor para o seu", disse, considerando que "as escolas têm de ser mais activas na gestão destas pressões".

Turmas também são factores de discriminação

Também Pedro Abrantes, que analisou cinco escolas da zona urbana de Lisboa, concluiu que cerca de metade dos alunos incluídos numa escola com elevada taxa de insucesso tinham tentado inscrever-se na escola com elevada taxa de sucesso, mas não tinham sido aceites, preteridos a favor de filhos de classes sociais média ou alta. Nestas escolas, as turmas também são factores de discriminação, já que "claramente há turmas onde são concentrados alunos de meios sociais mais favorecidos e com maior aproveitamento e outras turmas onde ficam os outros vindos de meios mais marginais, ao contrário do que prevê a lei". "Isto é uma dupla discriminação, porque é decidido por um grupo restrito de professores e os restantes docentes ficam divididos entre os que têm as turmas mais aplicadas e os que leccionam as turmas mais problemáticas", realça, defendendo alterações na lei quanto à constituição de turmas. "A lei prevê que a constituição de turmas seja feita por critérios exclusivamente pedagógicos, o que dá azo a discriminação e que se reforcem as desigualdades sociais que muitas vezes vêm já do pré-escolar", disse, salientando que "é óbvio que o critério pedagógico é impreciso e não pode ser o único factor". "São muitas as escolas em que os meninos brancos têm aulas de manhã e os meninos de meios desfavorecidos, filhos de emigrantes ou com menor aproveitamento têm aulas à tarde", disse João Sebastião. "Só quando a escola se abrir à comunidade e houver de facto possibilidade de os pais poderem questionar porque é que o seu filho está a ser desfavorecido é que podemos chegar a outros resultados", afirma.

30.01.2008 – Lusa

Comentários:

30.01.2008 - Anónimo, Lisboa.

Esta é a pura das realidades da nossa escola... Fui aluna, e por pertencer a um grupo social privilegiado, tive numa turma de "crominhos" 12 anos da minha vida escolar, a turma não se alterou durante os anos, o insucesso escolar era nulo, todos nós temos as nossas licenciaturas. Optei pelo ensino, quando cheguei à primeira escola, constatei que tinha ficado com a pior turma, pior horário... porque era novata e não tinha ordem a escolha. Passados seis anos, tudo continua, as escolas seleccionam os alunos que querem, as turmas são criadas pelo nível sócio-económico e os professores com maior antiguidade, têm o privilégio de escolher o horário que pretendem (horário da manhã, com as melhores turmas)

30.01.2008 - Henrique da Costa Ferreira, Bragança.

Para nós, sociólogos da educação, o estudo de João Sebastião e de Pedro Abrantes não surpreende mas é mais uma peça confirmativa de outros estudos empíricos que evidenciam que, na escola pública, há selecção e marginalização de alunos, há selecção e marginalização de professores, há selecção e marginalização de pais. Tudo tem de ter o seu ponto de equilíbrio. Numa escola onde não há pressão para os resultados, há, em princípio, lachismo mas, numa escola onde se luta excessivamente por um lugar melhor no «ranking», há emulação, competição e tendência a excluir aqueles que evidenciam um menor desempenho. É da vida. Daí resulta uma regulação pelo mercado e um mercado de escolas de primeira, de segunda e de terceira categorias, com exclusão e estigmatização social. Estaremos então a contribuir não para a integração e harmonia sociais, numa sociedade integrada e multicultural mas antes para a «ghettização» cultural, social e étnica e, com elas, para o aumento futuro da conflitualidade social. Eis ao que nos conduziu, em poucos anos, o excesso de neoliberalismo escolar, a defesa da livre-escolha da escola pelos pais, a pressão sobre a escola para os bons resultados em exames nacionais, o cheque-ensino, etc... Urge agora encontrar o meio termo entre a ausência de competição escolar e a competição desenfreada e sem regras. Antes que a Escola Pública se degrade mais entre o conflito por vantagens sociais, a partir da escola e pela escola e a «exigência» mercadista de abrilhantar os resultados escolares.

FERSAP, Grândola

Nenhum comentário: