terça-feira, maio 20, 2008

A fascinante tese do ensino da ignorância

[do diário económico]

A fascinante tese do ensino da ignorância
Os alunos portugueses de 15 anos estão abaixo da média
entre 57 países a Ciências, Matemática e Leitura.

Manuel Gonçalves da Silva

"A educação de massa, que prometia democratizar a
cultura, antigamente reservada às classes
privilegiadas, acabou por embrutecer os próprios
privilegiados."
C. Lasch.

Em Dezembro, o estudo da OCDE afirmava: os alunos
portugueses de 15 anos estão abaixo da média entre 57
países a Ciências, Matemática e Leitura. Este facto
gerou mais um conceito "eduquês" de um secretário de
Estado que disse à TV qualquer coisa do tipo "Os
alunos são ignorantes porque são reprovados" já que os
resultados se devem em larga medida às elevadas taxas
de retenção. Tão irresponsável doutrina dá crédito a
uma curiosa tese da qual se pincelam os traços
principais abaixo.


Humanidade supra-numerária
A correspondência entre "progresso da ignorância" e
declínio da inteligência crítica é evidente, como o é
a necessidade de competência linguística elementar
para o exercício do juízo crítico. Isto assente,
porque se aprofunda e tolera a iliteracia que o
quotidiano e estudos demonstram?

Michéa atribui-a à implantação da Escola do Poder
Transnacional assente em reformas perversamente
justificadas pela "democratização do ensino" e
"adaptação ao mundo moderno".

Ilustra a teoria com reunião de "quinhentos homens
políticos, líderes económicos e científicos de
primeiro plano", em S. Francisco, que concluiu que "no
século XXI, dois décimos da população activa serão
suficientes para manter a actividade da economia
mundial", pondo a questão: como manter a
governabilidade dos oitenta por cento da humanidade
supra-numerária?

A solução mais razoável lá defendida é do conhecido Z.
Brzezinsky: "criando 'cocktail' de diversão
embrutecedora e alimentação suficiente que permita
manter o humor dessa população". Este cínico objectivo
implicaria reconfigurar o sistema educativo do modo
que se passa a sintetizar e se vem assistindo.


Excelência para poucos
Primeiro, há que manter um selectivo sector de
excelência que forme as elites científicas e de
gestão, enformado pelo modelo da escola clássica,
criador de espírito crítico.

No escalão seguinte, ensinam-se competências técnicas
com semi-vida estimada de dez anos e ligadas a
tecnologias efémeras. Competências descartáveis quando
as tecnologias são superadas e cuja aprendizagem não
exige autonomia, nem criatividade e, no limite, pode
ser feita em casa, frente ao computador. Ajustada ao
ensino multimédia à distância proporciona negócio às
grandes firmas e torna dispensáveis milhares de
professores, sonho economicista e político dos meios
do poder.


Ignorância para muitos
Resta o escalão dos supra-numerários (com emprego
precário e flexível) que, "jamais constituirão um
mercado rentável" e a quem "a transmissão de saberes
críticos e mesmo de comportamento cívicos e o
encorajamento à rectidão e à honestidade" é
indesejável.

A esses se destina a escola dos grandes números, a
escola que deve ensinar a ignorância coerente com
Brzezinsky. É a escola que produz ignorantes
diplomados, incapazes de compreender um texto, ou
serem proficientes em matemática. O ensino da
ignorância é objectivo ao qual os professores
tradicionais, apesar de excepções, se ajustam mal o
que implica a sua reeducação por neo-especialistas em
ciências da educação.

Estes peritos têm por missão impor condições de
"dissolução da lógica" no Ensino, real revolução
cultural porque, até recentemente, "toda a gente
pensava com um mínimo de lógica, com a notável
excepção dos cretinos e dos militantes" . Os
professores tornar-se-ão animadores de actividades
transversais e assistentes psicológicos. A escola será
um espaço acrítico, um local de animação
(Thanksgiving, Halloween...) confiada a associações de
pais, aberto a todas as mercadorias tecnológicas ou
culturais.


Fascinante e preocupante!
Difícil acreditar que haja esta estratégia capitalista
específica, mas as mesmas consequências resultam de
políticas incompetentes e do deslumbramento
estrangeirado que assolam o país. É imperativo de
cidadania reverter decisões e políticas que alicerçam
um Ensino da Ignorância que converta 80% dos
portugueses em supra numerários embrutecidos de uma
UE, ela própria, ameaçada pelo mesmo mal.
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Manuel Gonçalves da Silva, Professor Catedrático da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL e membro do
painel Ciência e Sociedade

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