A “educação” no parlamento, a 25 de Abril,
ou de Ítaca à Ilha dos Amores
habitantes. Mas não é por isto que ela é conhecida. Ítaca é um símbolo de vontade e de ambição. Um objectivo ou uma meta a alcançar. Surge no horizonte de heróis, marinheiros, construtores, gente inquieta e insatisfeita
Ei! Cuidado, Ítaca é apenas isso. Ítaca é um ponto, um lugar que desejo alcançar e onde invisto toda a minha afectividade. O melhor de Ítaca é o tempo, as vivências e a riqueza que alcanço pelo caminho…
Por isso, diz o poeta, Cavafy (Alexandria, 1863 – 1933): “Quando partires de
regresso a Ítaca, / deves orar por uma viagem longa, / plena de aventuras e de
experiências.” E, ainda: “Terás sempre Ítaca no teu espírito, / que lá chegar é ao teu destino último. / Mas não te apresses nunca na viagem. / É melhor que ela dure muitos anos, / que sejas velho já ao ancorar na ilha.”
Ítaca dá-nos essa viagem esplêndida. Sem ela, nunca teríamos partido, e nada
mais tem para nos dar, pois ela é a viagem, é o sonho de chegar. Torga retoma este universal humano, para concluir que o importante é partir não é chegar:
“Aparelhei o barco da ilusão / E reforcei a fé de marinheiro. / Era longe o sonho,
e traiçoeiro / O mar… / […] / Mas corto as ondas sem desanimar. / Em qualquer
aventura, / O que importa é partir, não é chegar.” (“Viagem”)
Vem do fundo dos tempos esta verdade reiterada em cada projecto, acção humana ou vida autêntica. Há casos em que ela surge brilhante e clara no feito e no dito. Como na Ilha dos Amores (Os Lusíadas, IX, X) cujo simbolismo é, também ele,universal, justo e motivante para o ser humano.
António Sérgio vê nela a recompensa pelos altos feitos que a deusa amiga,
Vénus, oferece aos esforçados marinheiros portugueses. E que recompensa é essa? – O deleite, o descanso, o repouso, nessa “ínsula divina”, para aqueles que cumpriram o dever.
Ao mérito desses, Camões contrapõe o demérito: dos que vendem ilusões no
paço, em vez de divulgarem a sã doutrina; dos que amam o mando e a riqueza,
simulando justiça e integridade, no lugar de seguirem a pobreza, à qual se votaram;dos que não amam o que devem, antes, desejam o que moralmente é indevido.Gama e os marinheiros desembarcam nessa Ilha Angélica e aí se refazem física e mentalmente. Tétis e suas Nereidas sãos as anfitriãs de exemplos vivos de “caminhantes da virtude”, que durante a viagem, e antes de regressarem à Pátria, a sua Ítaca, recebem as honras deleitosas, os triunfos da palma e do louro, glória e maravilha. Tão elevados prémios, narra Camões, mereceram-nos por obras valorosas, trabalho imenso, caminho da virtude, feitos imortais e soberanos. Seus autores são humanos, mas o esforço e a arte fizeram-nos divinos. Participam da natureza dos deuses pela coragem e pela sabedoria, pela dedicação e pela sublimação, colocadas nessas acções.
O nosso épico desafia o futuro e coloca tal prémio ao alcance dos vindouros: “
[…] ó vós que as famas estimais, / se quiserdes no mundo ser tamanhos, / despertai do sono do ócio ignaro, / Que o ânimo de livre, faz escravo”. E alerta-nos para o facto de que as honras vãs e o ouro puro não dão verdadeiro valor à gente, concluindo “melhor é merecê-los sem os ter, / Que possuí-los sem os merecer.”Por último, generaliza o princípio e convida os vindouros a fazerem leis justas para pequenos e grandes ou a investirem contra as leis injustas, assim, serão mais e não menos, acenderão à riqueza e à honra, e, assegura-lhes, “Sereis entre os heróis esclarecidos, / E nesta ‘Ilha de Vénus’ recebidos.”
Nas celebrações do 25 de Abril deste ano, fomos confrontados pelo Presidente da República com um estudo que caracteriza a sociedade portuguesa e os jovens, em particular, como estando bem afastados desta elevação alcançada pelos nossos de Maiores. Ao interpretar alguns dados, falou-se em “pessimismo que muitos dizem ser uma característica singular do povo português”! Nem todo o povo, como vimos, pois não era o pessimismo que guiava os portugueses de quinhentos e seiscentos…
O apelo aos jovens para que não se resignem, contrasta com o apelo de
Camões aos vindouros, onde se encontram também os próprios jovens. E a abertura de uma parte significativa da sociedade a “profundas mudanças” contrasta com a leitura que alguns fazem da mesma e até com o apelo referido. Há, sim, é que descobrir e propor as mudanças pertinentes e oportunas.
Criticou-se nesse dia a venda de ilusões, expressão curiosa também usada pelo nosso épico. Mas este avançou com aquilo que devia ser divulgado no seu lugar. E hoje? Que devemos nós propor aos jovens e aos país? O Presidente avançou: com a tomada do futuro nas nossas mãos, em vez de o procurarmos em qualquer bola de cristal; com uma política de proximidade; com uma sociedade mais justa; com maior empenho cívico dos cidadãos; enfim, com nova atitude da classe política!
Talvez seja pouco, Senhor Presidente, talvez não chegue, e, porventura, passe
ao lado do essencial. E o essencial, são os portugueses. É de cultura que eles
precisam, de humanismo(s), também de História (por que não?) de substância para se pensarem, a si e ao mundo (será de filosofia?) É de ilustração das mentes e dos de comunicação, das empresas e organizações, das famílias e dos clubes que se precisa. E dizer ilustração é dizer luz, é dizer sabedoria, é dizer um pouco de silêncio e de paz.
In Correio da educação nº326 de 1-15 de Maio de 2008
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