Regime da Função Pública não permite mexer em horários
00h30m
IVETE CARNEIRO
Os médicos não aceitam a proposta de carreira do Ministério da Saúde. Dizem que não podem: é "ilegal", garantem. Como também asseguram que a João Crisóstomo não vai ser uma outra 5 de Outubro, nem os médicos serão como os professores.
Resumindo, é simples: a proposta de carreira médica enviada esta semana aos sindicatos entra por matérias que são do exclusivo âmbito da negociação colectiva. E não são os sindicalistas que o afirmam, é o próprio regime do contrato de trabalho em funções públicas. Este é claro, assuntos como horários de trabalho, horas extraordinárias, idade para urgências, regime de prevenção, conteúdo funcional, etc. só podem ser diferentes da lei geral se negociadas na contratação colectiva. E esta só tem condições para arrancar em Janeiro, quando entrar em vigor o novo regime.
"A proposta vai contra a própria lei aprovada por este Governo em Setembro", garante Carlos Arroz, do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que é completado por Mário Jorge Neves, da Federação Nacional dos Médicos (FNAM): "Enquadra matérias que não podem estar num diploma sobre carreiras, porque são de contratação colectiva. E isto não é exigência sindical. É apenas fazer cumprir a legislação".
A proposta da ministra Ana Jorge junta numa só as actuais carreiras de medicina geral, hospitalar e saúde pública e cria três categorias (médico especialista, especialista principal e especialista sénior). Até aí são matérias negociáveis, sejam ou não do acordo dos sindicatos. O problema é quando se mete pela definição dos conteúdos funcionais dessas categorias e fixa um horário de 40 horas, sem adiantar contrapartidas salariais. Actualmente é de 35 horas, estendendo-se às 42 num regime de exclusividade. Portanto, diz o dirigente do SIM, o Ministério quer pôr, por lei, os médicos a trabalhar mais horas e, assim, "condicionar a negociação colectiva".
Ora, adiantam os sindicalistas, o regime da função pública diz que o horário é de 35 horas e só admite que, "por negociação da contratação colectiva outras soluções possam ser encontradas", explica Mário Jorge Neves.
Outro ponto não negociável nesta fase é a ausência de limitação de horas extras, que a lei geral fixa muito claramente. Para os médicos, o Ministério propõe que esta regra não se aplique "em situações de manifesta necessidade". Polémico é ainda eliminar a dispensa de urgência a partir dos 55 anos e limitá-la apenas a horários nocturnos, prerrogativa que existe hoje a partir dos 50 anos. É proposto também um regime de prevenção de 24 horas para substituir as 12 horas de urgência.
"Este diploma só tem de enumerar as carreiras médicas e ponto", reage Carlos Arroz. E vai propor, tal como a FNAM - e outros seis sindicatos da saúde - que as novas carreiras e a contratação colectiva não se limitem a quem tem estatuto de funcionário público e se apliquem também aos profissionais com contrato individual de trabalho. Este regime foi introduzido a par da função pública nos hospitais entidades públicas empresariais e que as tornou "ingovernáveis em termos de recursos humanos" e permite que médicos com as mesmas qualificações tenham salários, horários e regras disciplinares diferentes.
Carlos Arroz parte, contudo, com "enorme seriedade" e esperança de diálogo para a reunião da próxima terça-feira com Ana Jorge. "Não queremos nada semelhante a outras frentes. Não queremos fazer da João Crisóstomo (rua do Ministério da Saúde) uma outra 5 de Outubro" (rua do Ministério da Educação), garante o presidente do SIM, insistindo não querer comparação com o protesto dos professores.
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