quarta-feira, maio 20, 2009

As contas que o ME não quer fazer...

Sócrates e os seus fiéis seguidores no Ministério da Educação muito
gostam de contas e de estatística. Números, portanto. Na minha humilde
opinião, há outras contas e outras estatísticas que eu, pessoalmente,
gostaria que viessem a público, pela sua importância óbvia na
eficiência do sistema educativo nacional. Eu acho que a importância é
óbvia, porque sou professor e conheço - por dentro - o que afecta o
insucesso nas nossas escolas. Claro que outros podem achar que a
importância é pouca ou nenhuma, ou que eu, por ser professor, não
conheço o que contribui para o insucesso (os "especialistas de
gabinete" é que dominariam estes assuntos). Cada um que pense por si.

Vamos a contas:

1. As aulas perdidas com a aposentação

Quando os jornais e televisões eram bombardeados com estatísticas
sobre as faltas dos professores, julgo que faltou apresentar os
números relativos às dezenas de aulas que milhares de alunos perdem,
por ano, por via da aposentação de professores a meio do ano lectivo.
Enquanto não vem a aposentação - e isto tem sido a realidade em muitas
situações -, há semanas seguidas sem aulas, atestados médicos
desnecessários, ansiedade escusada, stress e desmotivação. E alunos
prejudicados! Ou seja, um ME que tanto fingiu preocupar-se com as
faltas dos professores, ainda não foi capaz de criar um mecanismo que
evite estas situações. Na prática, os alunos ficam bastante mais
prejudicados com estas situações, do que com alguns 102º espalhados
pelo ano lectivo. Uma estatística comparativa poderia fazer descer
alguma luz sobre o sistema, digo eu.

2. O tempo efectivo de aprendizagem

Se há uma coisa que é notória, é a ignorância do que se passa dentro
das quatro paredes das salas de aula. Os professores que lá trabalham,
sabem-no bem. Mas, derivado a esse fantástico conceito que é o "caso
pontual", as salas de aula portuguesas são todas umas eficientes
fábricas de produção de "Jaguares", segundo a visão iluminada da
senhora Ministra da Educação. As contas que eu gostava de ver feitas e
publicadas, dizem respeito ao tempo efectivo de aprendizagem dentro
das salas de aula. Isto é, numa aula de noventa minutos, quantos
minutos são dedicados efectivamente a aprendizagens (ensinar e
aprender, entenda-se) e quantos são dedicados a outras actividades
menos nobres e desconhecidas dos "especialistas", nomeadamente no
controlo e combate da indisciplina. Convém explicitar que a
interrupção de uma aula, nem que seja para mandar um aluno calar-se ou
virar-se para a frente, resulta de uma situação de indisciplina,
implicando a perturbação da concentração de todos os alunos e,
consequentemente, a diminuição da qualidade das aprendizagens. Por
mais que os pais defendam que não é indisciplina e que os filhos são
apenas muito faladores e/ou irrequietos e/ou outra desculpa qualquer.
Houvesse números públicos, sérios, e quer-me parecer que teríamos um
escândalo nacional. Porque, da realidade que conheço, há situações
frequentes de tempos efectivos de aprendizagens inferiores a 50%, ao
longo de praticamente todo o ano lectivo. Isto equivale a que, por
exemplo, no final do ano lectivo, milhares de alunos tenham tido menos
de 50 aulas de Matemática, em vez das 100 que o Estado diz que os
alunos têm. Milhares de "casos pontuais", claro.

3. O dinheiro oferecido sem nada em troca

Quando tivemos a Avaliação Externa na nossa escola, vi-me, pela
primeira vez, confrontado com o conceito de custo por aluno. Neste
caso, uns 6000 euros anuais por cada um. Ou seja, o Estado, cujo fundo
de maneio vem da remuneração de todos nós, oferece 6000 euros, por
aluno, às famílias que têm os filhos a estudar na nossa escola.
Oferece, mas não pede nada em troca. Não pede esforço, nem dedicação,
nem sucesso, nem sequer comportamentos adequados. A maior parte dos
pais não paga 6000 euros de IRS ao Estado, nem nada que se pareça.
Pelo que se trata, efectivamente, de uma oferta. Um exemplo. Um aluno
entra para o 7º ano e o Estado paga-lhe 6000 euros para andar
gratuitamente na escola. O aluno, que descobriu que os pais não se
importam muito com o seu sucesso escolar ou que não mostraram
autoridade suficiente para o obrigar a ter aproveitamento, chega ao
fim do ano lectivo e fica retido. O Estado, generoso quanto baste,
chega-se à frente com outros 6000 euros para o ano lectivo seguinte. A
estória repete-se, com nova e lamentável retenção. Os pais,
entretanto, já descobriram que o filho ficou retido, pela segunda vez,
por vingança e/ou perseguição dos professores, claro. Pelo terceiro
ano consecutivo, o Estado entra com outros 6000 euros. A escola tenta
dar a volta à situação, com uma transição por baixo da mesa, perante o
ar de gozo e de desplante do aluno (e dos pais, já agora). Com jeito,
talvez integre uma turma de PCA, ou um CEF, ou outra alternativa
qualquer que, pela dimensão das turmas, sugere um custo por aluno
muito superior aos dos alunos aplicados e cumpridores. Nunca o Estado
encosta o aluno e os respectivos pais à parede e lhes pede contas pelo
esbanjamento dos 6000 euros. Nunca! Mas era bom que se fizessem contas
à vida e se contabilizasse o dinheiro que foi literalmente atirado ao
lixo pelas famílias que não obrigaram os seus filhos a estudar e a ter
aproveitamento. Como se isso não bastasse, quantos destes desperdícios
não estiveram (e estão, e vão continuar a estar) associados
directamente ao prejuízo dos alunos que querem aprender (ou cujos pais
os obrigam a aprender)? Contas, precisam-se. Felizmente, este Estado
descobriu o remédio para que nunca mais seja necessário fazer este
tipo de contas e muito menos encontrar soluções: a milagrosa abolição
das retenções. Mais um passe de mágica.

4. O insucesso garantido

Durante o primeiro ciclo do ensino básico, seja no início ou no fim, a
experiência dos professores permite detectar situações de insucesso
garantido entre os alunos. Os professores podem identificar estas
situações, nos casos mais graves podem-nas referenciar a outras
entidades (uma CPCJ, por exemplo), mas, na prática, o resultado é
quase sempre o insucesso. No segundo e terceiro ciclos, também se
conseguem identificar rapidamente situações em que se antevê o
insucesso garantido. Há quem se "mande aos arames" ao ler estas
coisas, culpando os professores - ao bom jeito da senhora ministra e
dos seus secretários - por não fazerem nada para contrariar e inverter
a situação. Pois bem, assim sendo, vamos a um exemplo. Um aluno vive
numa família onde a violência gratuita, o achincalhar dos outros, a
agressão verbal, a linguagem ofensiva e rica em palavrões, e o
desprezo pelo conhecimento e pela cultura compõem o dia-a-dia. Para
além de um ambiente familiar hostil à serenidade necessária ao estudo,
este aluno leva consigo, para a sala de aula, um reboliço mental que
não lhe dá margem de manobra para aprender o mesmo que os outros.
Quando falamos de igualdades e direitos, este aluno fica, obviamente,
de fora. Uma aluna de seis anos vive numa família em que o pai lhe dá
pontapés na cabeça e um familiar do sexo masculino tem autorização
para abusar sexualmente dela, partilhando frequentemente a mesma cama.
As conversas à mesa e pela casa abordam o sexo de forma gratuita e a
menina assiste a filmes pornográficos na presença da família. Na
escola, o comportamento é do mais instável, oscilando entre a ternura
e a agressão verbal e física. A CPCJ pouco pode fazer, pelo que o
destino desta garota será, invariavelmente, o insucesso. Com o devido
prejuízo para os alunos que tiverem o azar de a ter na turma. Não tão
graves, são alunos que já descobriram que são eles que mandam nos
pais. Ou que os pais, afinal, pouco se importam com os seus resultados
escolares. Enfim. Diagnosticam-se os problemas, mas o Estado não dá
soluções. Porque, convenhamos, e deixemos de fora os lirismos, na
maior parte das vezes o problema do insucesso reside em casa, onde a
escola pouca ou nenhuma influência tem. Quantos são estes alunos?

http://pedro-na-escola.blogs.sapo.pt/

Nenhum comentário: