quarta-feira, fevereiro 11, 2009

valiação do Desempenho Docente: Crónica de uma Morte Anunciada

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Avaliação do Desempenho Docente: Crónica de uma Morte Anunciada


Aquilo que resta do monstruoso modelo de avaliação docente urdido in
vitro na 5 de Outubro com células estaminais provindas do Chile,
apressa-se a sucumbir sem honra nem salvação possíveis. No dia – que
está para breve – do último suspiro da besta, os professores não
sairão à rua para festejar, mas a democracia constitucional portuguesa
agradecer-lhes-á mais tarde ou mais cedo.

Ferido de morte, eis que o moribundo animal se arrasta lenta mas
penosamente para a sepultura que ele próprio tem vindo cegamente a
cavar. Falo-vos, obviamente, do clonado modelo político de avaliação
do desempenho docente que o ministério da educação português quis
dogmática e unilateralmente impor aos educadores e professores
portugueses.

É caso para dizer que foi vã e inglória a engenharia laboratorial da
inábil equipa ministerial liderada por Maria de Lurdes Rodrigues. Foi
inábil quer na concepção frankensteiniana do modelo de avaliação quer,
em particular, na obsessiva assunção da sua paternidade.

Esta é, por tudo isto, não só uma crónica da morte anunciada de uma
monstruosidade, mas, também e por arrastão, a crónica da eutanásia
política dos autores morais desta gigantesca besteira nacional.

Daqui a algumas semanas, ou muito poucos meses, haverá que fazer, com
carácter de urgência, um sério e honesto balanço não só sobre a «casa
dos horrores» em que a Escola Pública e os seus docentes se viram
inesperadamente envolvidos e enovelados, mas também sobre o
protagonismo de alguns outros intervenientes pessoais e institucionais
na salvaguarda, expressa ou tácita, do horror que a despropositada
besta a todos quis atingir e afligir.

Da loucura ministerial e do absurdo legal que invadiu e atingiu a
Escola Pública nacional nos dois últimos anos, nem só os seus mentores
oficiais podem ser responsabilizados.

Há que denunciar e discutir publicamente a insustentável leviandade
revelada por alguns dos alegados opositores ao modelo de avaliação, a
começar por alguns sindicatos e por um certo tipo de sindicalismo
(ana)crónico, a qual não se deve silenciar nem tão pouco sonegar ao
debate público que está por fazer não só entre os docentes mas, também
e por justificado acréscimo, em toda a sociedade civil, sob pena de,
mais tarde ou mais cedo, se replicarem os desvarios, os
desentendimentos sobre os entendimentos por quase ninguém entendidos,
os Kremlins político-sindicais e os discursos de auto-protecção dos
acomodados generais e das suas adesivadas tropas de combate.

O sindicalismo –um certo tipo de exercício e representatividade
sindicais- tem de ser discutido entre todos nós, sem reservas morais
nem pruridos ideológicos que a todos desgastam e que a lado nenhum
levam. Sindicatos e sindicalistas não são (não podem ser) nem uma
instituição inamovível na sua praxis nem se podem confundir como um
posto ou carreira profissional supra-corporativa.

Porém, por agora, o mais importante é aqui registar, para além da
inevitável morte da besta avaliadora, a emanação de novas e
significativas formas de exercício da democracia participativa em
Portugal.

Com efeito, ao arrepio da anémica cultura político-democrática
revelada pelos nossos governantes no decorrer dos últimos anos, o
movimento de contestação docente ao absurdo modelo de avaliação que
sem fundamento o governo lhes quis impor, constituiu-se, ele próprio,
em factor gerador da urgente e premente revitalização da participação
cívica em Portugal, exercida, como o demonstraram os docentes, de
forma democrática e responsável.

Convém, por isso, aqui expressamente registar que o movimento de
contestação docente não se pode confundir, como muitas das vezes o
governo procurou (e insiste em) insinuar, com uma singela demonstração
de força e defesa de interesses corporativos. Estes dois últimos anos
de desnecessária tensão e inusitado conflito entre ME e professores
demonstram o contrário. Revelam o ressurgimento de uma sociedade civil
mais esclarecida e exigente; demonstram que as elites pensantes e,
sobretudo, os democratas que a tecnocracia do regime gostaria de ter
mantido permanentemente silenciados, apesar de tudo existem e vêm a
terreiro quando é (absolutamente?) necessário, como se demonstrou,
vezes sem conta, particularmente nos media, nos debates e nas mais
variadas opiniões veiculadas. Opiniões e debates nos quais uns (a
maioria) tomaram partido pela razão reclamada pelos professores,
outros (a minoria) defenderam e colaram-se ao discurso governamental,
o que demonstra uma saudável participação democrática por que todos
nos devemos regozijar. Ambos os lados, mesmo os defensores do modelo
avaliativo, transcenderam os limites que a maioria absoluta socialista
havia delimitado como sendo as por si toleradas fronteiras para a
capoeira opinativa, ideologicamente circuncidadas pelo seu ministro da
propaganda (ASS) e seus comparsas.

Importa também aqui referenciar, pela força da sua novidade e impacto,
mas também para memória futura, alguns dos meios instrumentalmente
utilizados pelos docentes no exercício legítimo da democracia
participativa:

Foram eles (i) as SMS enviadas por telemóvel (lembram-se das primeiras
manifestações espontâneas?); (ii) foram os blogues a aproveitar as
potencialidades dessa nova rede neuronal de comunicação e interacção
pessoal e social no exercício da cidadania responsável e com opinião;
(iii) foram os movimentos independentes que, em muitas e variadas
circunstâncias, romperam não só com a ortodoxia dos costumes mas
também com o bolor de um certo tipo de sindicalismo; (iv) foram as
assembleias gerais de professores e as corajosas moções de rejeição
nelas aprovadas… A isto chama-se, sem outras colorações intelectuais,
viver e praticar a democracia por dentro, a tempo inteiro.

O estranho (o mais estranho) é que mesmo do lado do movimento opositor
ao modelo de avaliação ministerial, de entre aqueles que desde cedo o
quiseram liderar, particularmente os sindicatos, alguns se tenham
apenas limitado a cumprir o que deles o governo da maioria absoluta
socialista já esperava: ritualizar comportamentos reivindicativos dos
tempos do PREC, os quais, por via disso, na forma, no método e no
conteúdo, repetidamente se revelaram anacrónicos e manifestamente
desajustados.

As mais recentes iniciativas são do que se acaba de dizer
paradigmático exemplo: (i) os sindicatos apelaram a que os professores
não entregassem os seus objectivos individuais, enquanto vários
dirigentes e delegados sindicais, nas suas escolas, os entregavam eles
próprios e/ou aconselhavam os seus pares a fazê-lo; (ii) Enquanto
isso, um pequeno grupo de professores (um forte abraço de
agradecimento ao Paulo Guinote) tomava as rédeas da estratégia de
contestação e optou pelo óbvio, encomendar a um prestigiado jurista a
responsabilidade de elaborar um parecer que desnudasse as tropelias
legais e constitucionais contidas na pafernália de diplomas avulsos,
desnorteada e circunstancialmente produzidos pelo ME. Os sindicatos,
esses, vieram a reboque desta última iniciativa, não porque se lhes
afigurasse estrategicamente necessário fazê-lo, mas porque, na
ausência de liderança estratégica do movimento docente, se viram
ultrapassados pela força das circunstâncias. Ora, isto é mau. É muito
mau não tanto para os sindicatos mas, sobretudo, para o moderno
sindicalismo democrático e, por acréscimo, não só para os professores
mas particularmente para a generalidade dos cidadãos e para a
democracia política portuguesa.

Voltarei a este assunto logo que o animal da avaliação docente se
encontre definitivamente em velório público. Por agora, e face ao
desnecessário prolongar das dores de morte política que por aí se
fazem já anunciar, limito-me a olhar para o inquilino do Palácio de
Belém e a perguntar-lhe:

Sr. Presidente da República, porque não reconhece e agradece Vª Excia
aos professores três simples coisas:

1ª Fizeram publicamente distinguir a fronteira que separa a confusão
(nada inocente) estabelecida entre governação de uma maioria absoluta
política, eleitoral e constitucionalmente legitimada para governar, e
governação de uma maioria autocrática, dogmática e ditatorial. A quem
convém, afinal, que a destrinça, na prática, não apenas não se
efectue, mas, muito mais grave, se consinta no Portugal de hoje?

2ª Contribuíram decisiva e responsavelmente para a revitalização da
democracia política participativa em Portugal;

3ª Saberá Vª Excia, com toda a certeza, que o mesmo laboratório que na
5 de Outubro clonou este monstro, vê-se agora a ombros com uma dupla
mas violenta opção, ou mata o acéfalo animal ou, em alternativa,
prolonga-lhe política mas artificialmente a vida por mais uns
convenientes meses. Pergunto-lhe, Sr. Presidente: Concorda Vª Excia
com a eutanásia política de quem, despudorada e ostensivamente, tem
vindo a delapidar a Escola Pública? Se sim, de que está à espera, Sr.
Presidente, para lhes desligar a máquina?

Claro que não peço deferimento. Calculo que se o fizesse, esperaria,
com certeza, uma eternidade. Não tenho tempo para isso. Até já!

Fernando Cortes Leal

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