Andreia Sanches [O Público]:
maioria não faz refeições completas
ao jantar
nem vai ao médico
regularmente
Crianças acham que os pais têm dificuldades
financeiras
Inquérito mostra que maioria não faz refeições
completas ao jantar nem vai ao médico regularmente.
01/Junho/2008 - Dia Mundial da Criança
Geralmente sentem-se felizes, gostam da escola e do
bairro onde vivem. Mas quase metade (45,8 por cento)
das cinco mil crianças inquiridas em sete concelhos da
Grande Lisboa diz que sente que a família tem
dificuldades financeiras.
Apesar de serem raras as que afirmam que não têm
comida em casa quando têm fome (2,4 por cento), só uma
pequena parcela (12 por cento) costuma fazer uma
refeição completa de sopa, prato e fruta ao jantar. O
que, segundo um grupo de investigadores, indicia
"potenciais problemas ao nível da dieta alimentar".
Chama-se Um olhar sobre a pobreza infantil - Análise
das condições de vida das crianças e é um estudo de
Amélia Bastos, Graça Leão Fernandes e José Passos, do
Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, e
de Maria João Malho, do Instituto de Apoio à Criança.
Um total de 5161 crianças da Amadora, Cascais, Lisboa,
Loures, Odivelas, Oeiras e Sintra foram entrevistadas
pessoalmente nos anos lectivos de 2004/2005 e
2005/2006. A média de idades é de nove anos. A amostra
é representativa das crianças que, naqueles concelhos,
frequentavam os 3.º e 4.º anos do 1.º ciclo do ensino
público.
Pouco tempo para os filhos
Aos seus professores foi pedido que validassem os
resultados dos inquéritos. Amélia Bastos, uma das
autoras - com um doutoramento e vários trabalhos
publicados na área da pobreza infantil - diz que não
teme que desta validação resulte algum tipo de
adulteração das respostas das crianças. Procurou-se
antes de mais, dada a faixa etária dos alunos,
garantir que alguém que os conhece bem, como o
professor do 1.º ciclo, confirmasse algumas
informações, explica.
O livro com os resultados do estudo, publicado pela
Fundação Económicas (ed. Almedina), vai ser lançado na
terça-feira, no ISEG, em Lisboa. E aborda um tema que,
segundo Amélia Bastos, "é pouco estudado em Portugal"
- onde, segundo o Eurostat, se registam das taxas de
pobreza infantil mais elevadas da União Europeia (25
por cento em 2005).
Para os autores, a pobreza não se reduz, contudo, aos
rendimentos das famílias, que é o que o Eurostat
avalia. Optaram assim por "dar voz às crianças" de
forma a detectar, através de inquéritos, a "existência
de carências em áreas fulcrais do bem-estar".
Comer sopa, prato e fruta antes de deitar não é um
hábito enraizado entre os inquiridos e seis por cento
diz mesmo que o seu jantar costuma ser apenas "sopa e
pão" ou então "sopa, pão e fruta". Para a
investigadora, este é um dado preocupante: "Uma
refeição completa é o que é considerado essencial para
o desenvolvimento da criança, é o que qualquer cantina
de escola oferece".
10% ajudam no trabalho
As carências económicas não explicam tudo. "O que
muitas vezes acontece é que famílias que não são
consideradas carenciadas têm a sua vida organizada de
tal forma que não têm possibilidade de suprir todas as
necessidades que a criança tem. Por falta de tempo, de
informação e de cuidado."
Poucas são também as crianças (39,3 por cento) que vão
ao médico por rotina - "Significa que não vão lá para
aquelas consultas próprias de crianças desta idade,
ver como está a altura, o peso, ver se está tudo bem.
E, uma vez mais, isto não acontece necessariamente ou
apenas nas famílias carenciadas".
"Aliás, há um dado curioso. Perguntámos às crianças se
elas se sentiam felizes." Loures tem a maior taxa de
infelicidade (7,2). "Mas a proporção de crianças que
na Amadora diz ser infeliz [6,7 por cento das
crianças] é idêntica à de Oeiras [6,3 por cento]." A
curiosidade aqui é que Amadora e Loures são os
concelhos com maior percentagem de crianças com um
índice de privação acima da média. E Oeiras é o que
tem a menor percentagem de todos - "É o concelho onde
os pais têm maiores níveis de qualificação, mas onde,
se calhar, têm menos tempo para os filhos".
Como ajudas em casa? Esta era outra pergunta às
crianças: 27,5 por cento ajudam a tomar conta dos
irmãos e dez por cento dizem que ajudam os pais nas
respectivas profissões. Trabalho infantil? Amélia
Bastos não tem elementos para responder. Mas admite
que nalguns casos, se estas crianças gastarem muito
tempo a "ajudar o pai no café, por exemplo", poderão
estar a ser prejudicadas.
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