Carmelinda Pereira
(professora do Ensino Básico)
Para abrir e consolidar os caminhos da Democracia, do Saber e do Humanismo
Defender a Escola construída nas margens de liberdade que Abril nos trouxe
Defender a sua pedra angular: os seus professores e educadores – como construtores do futuro
Fizemos parte do 100 mil que, no passado dia 8 de Março, realizaram em Lisboa a manifestação histórica dos professores e educadores.
Ela foi o culminar de uma primeira etapa de múltiplos encontros – realizados depois do horário de trabalho, nas praças, nas salas de professores e nas salas de teatro deste país – convocados boca a boca, por sms, pelos e-mails e pelos blogues.
Este movimento, que se transformou numa onda de revolta generalizada, foi a expressão da vontade de dizer: Basta!
“Não aguentamos mais trabalhar horas e horas extra, na escola e fora dela; temos família, somos seres humanos.” “Não aceitamos ter ficado sem o direito a aceder – em tempo normal, tal como está estipulado na lei – às fontes de informação e formação que a nossa profissão exige: acções de formação, seminários ou congressos.” “Não aceitamos ser divididos em categorias artificiais, materializadas na figura do professor titular.” “Não aceitamos ser avaliados a partir de variáveis que não controlamos – como é o caso do abandono escolar, ou do insucesso de alunos que não estão interessados ou organizados para trabalhar.” “Não nos podem exigir que, sozinhos, possamos virar a onda dominante do facilitismo, ou da desordem de uma sociedade que hoje assenta na procura do dinheiro fácil e do prazer imediato.”
“Não aceitamos ver jovens professores a trabalhar a cinco euros à hora. Não aceitamos ter que trabalhar até aos 65 anos para atingir a idade da aposentação, nem que nos roubem anos de serviço, no quadro do congelamento da carreira.”
“Não aceitamos as campanhas mediáticas para virar a opinião pública contra nós. É preciso dizer basta a uma ministra da educação que nos trata como «os professorzecos».”
O que expressou a manifestação dos professores e educadores de 8 de Março
Foi esta mistura de desacordos, de cansaço e de indignação que explodiu no dia 8 de Março e que uniu 100 mil a acenar com lenços brancos e a dizer “Está na hora, está na hora da ministra ir embora!”. “Queremos uma só carreira, sem divisões artificiais, como ainda vigora nos Açores e na Madeira – Revogação do ECD!” “Queremos uma avaliação justa e séria, destinada a melhorar a nossa prática pedagógica, no quadro da avaliação dos grupos e das equipas, para construir escolas de excelência e não professores de excelência – Revogação do decreto da Ministra Lurdes Rodrigues, destinado a punir e a individualizar, apenas com o objectivo de que só uma terça parte de nós possa aceder ao topo da carreira, impondo-nos uma diferença salarial de cerca de 40%!”. “Queremos exercer o nosso trabalho a partir de equipas multidisciplinares, no quadro do profissionalismo e da cooperarão – Revogação do decreto da nova gestão escolar que nos impõe um director e coordenadores nomeados (um decreto destinado a criar a Escola onde a autonomia é sinónimo de poder aos chefes para tratarem os colegas com parcialidade, quando não com arbitrariedade e prepotência)!”
Como os dirigentes sindicais enevoaram as aspirações dos docentes
Estas exigências de revogação do ECD, da avaliação do desempenho e da gestão escolar foram transformadas, pelos dirigentes sindicais, em exigências de suspensão para renegociação.
Os professores voltaram às escolas na expectativa.
Pelo seu lado, a ministra da Educação afirmou publicamente que uma manifestação de 100 mil era “irrelevante”. “Relevante” era a sua política, a política a que os 100 mil tinham dito basta.
Para a ministra e para Sócrates, “relevantes” são as felicitações que lhe foram dadas pela OCDE, por ter imposto o novo estatuto aos professores e a sua avaliação, bem como a lei contra toda a Função Pública dos quadros, vínculos e carreiras.
“Relevante” é encontrar a maneira de fazer engolir aos trabalhadores e aos seus sindicatos a lei dos despedimentos sem justa causa, contida no Livro Branco sobre as Relações Laborais – adaptação do correspondente Livro Verde sobre as Relações Laborais, da União Europeia, que 200 mil trabalhadores rejeitaram na manifestação de 18 de Outubro passado, no Parque das Nações diante dos chefes de Estado e de Governo da UE, quando assinaram o Tratado de Lisboa.
Na manifestação dos 100 mil professores e educadores ficaram em confronto duas relevâncias:
A relevância das políticas da ministra da Educação e do governo de Sócrates, da OCDE, da UE, isto é a relevância que – destruindo a carreira profissional dos professores, com todas as consequências para a sua vida como seres livres e – permitirá impor a “Escola dos municípios e dos agrupamentos”, onde o nível das aprendizagens vai depender do bairro ou região onde esta estiver inserida. Teremos a escola dos bairros ricos, as escolas dos bairros de nível médio e as escolas dos filhos daqueles cujas condições de vida e de trabalho lhes negam qualquer possibilidade de exercer um acompanhamento da vida escolar dos filhos e da sua própria educação.
A relevância da ministra é fazer impor a “Escola dos certificados e das competências”, em detrimento dos diplomas nacionais. É a mesma relevância que destruiu as redes do Ensino especial e agora nega o acesso ao acompanhamento pedagógico e educativo de qualidade a todas as crianças com necessidades educativas especiais.
Mas, houve outra relevância: a unidade dos 100 mil, realizada com todas as organizações sindicais e movimentos, sobre a base das reivindicações precisas; aquela relevância que permitirá restabelecer e melhorar a Escola assente nas leis portugueses: a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Constituição da República.
Esta relevância – decorrente das exigências dos docentes – colocava na ordem do dia um novo salto: se a ministra não ouve os sindicatos, expressando as nossas exigências, com as quais se pode defender a Escola pública e democrática, então estes dirigentes deverão ser ouvidos pela maioria dos deputados do PS, que deve chamar a si as leis da ministra e revogá-las.
Se os deputados não ouvem os sindicatos dos professores, deverão ouvir as centrais sindicais acompanhadas pelos docentes e por todos quantos defendem os serviços públicos.
Seria este caminho impossível?
Estava escrito no destino que os dirigentes da Plataforma sindical iriam assinar um acordo, ao arrepio da vontade de 100 mil docentes?
Nós conhecemos, por experiência própria, a actuação das direcções sindicais; sabemos a que pressões estão sujeitas.
Mas há outra pressão: a dos trabalhadores (neste caso os docentes) que elas representam.
Quem já compreendeu isto, tem perante si também várias alternativas.
Por exemplo, abandonar os sindicatos e realizar movimentos à parte. Ou então, continuar dentro das organizações sindicais e, ao mesmo tempo, realizar ou participar em iniciativas que contribuam para uma reivindicações que unem os seus membros. Esta alternativa coloca-se a cada momento, e, por vezes, com uma grande acutilância.
A acção dos “movimentos” de professores
Assim, após a manifestação de 8 de Março, realizou-se – no Ateneu de Lisboa – um encontro com professores dos diversos movimentos presentes na manifestação, partilhando sobre estas questões opiniões diversas.
Os representantes da Comissão de Defesa da Escola Pública (CDEP) propuseram que ali se aprovasse um pequeno comunicado, saudando a manifestação dos 100 mil docentes, explicitando as reivindicações principais que nos uniram a todos, saudando as primeiras tomadas de posição de Conselhos pedagógicos recusando o modelo de avaliação do ME – incluindo a dos professores contratados –, apelando para a assinatura da petição desencadeada pelo Movimento de Leiria para que o Decreto sobre a avaliação dos docentes fosse chamado à Assembleia da República e, ainda, apelando para um Encontro nacional com representantes de todos os movimentos. Os representantes do Movimento das Caldas da Rainha propuseram que este Encontro integrasse representantes das Associações de pais. Representantes do “Movimento Escola Pública” propuseram que um tal Encontro apelasse também à participação de dirigentes sindicais e das autarquias. Um colega da Lista de Discussão “Escola Pública” propôs que se incentivasse a constituição de comissões para a unidade, nas escolas, que expressassem as exigências dos docentes.
Lamentavelmente, estas propostas não puderam ser aprovadas e aquela reunião tornou-se inconclusiva.
Quem imaginaria, nessa altura, a importância que uma tal aprovação poderia ter tido como ponto de apoio para ajudar a desenvolver a acção dos professores, no caminho para a unidade com as organizações sindicais?
Não seria assim que os professores poderiam reforçar o seu movimento, derrotando a chantagem do Governo – que os colocou no dilema de escolher entre levarem para a frente a sua luta ou aceitarem a “avaliação do ME” para ajudarem os colegas contratados e aqueles que estão dependentes de uma avaliação imediata para progredir na carreira – criando, assim, as condições para impor às direcções sindicais a sua subordinação às reivindicações do movimento dos 100 mil e a recusa da chantagem do Governo?
As nossas dificuldades e incompreensões não permitiram que fosse aprovado este caminho.
Entretanto, na Comunicação social, era claro a indicação dada pelos editorialistas de alguns jornais: como o Governo não pode recuar, os dirigentes sindicais dos professores que resolvam a embrulhada em que se meteram. O que queria dizer este discurso, senão que era necessário fazer recuar os professores e educadores para, a partir daí, concretizar as outras medidas que são exigidas pela OCDE e pela União Europeia?
E agora, como agir?
Agora, estamos confrontados com uma situação de divisão, na qual os professores e educadores foram apanhados como se lhes tivessem atirado areia para os olhos, levando muitos a terem aprovado uma moção, a 15 de Abril, que os dirigentes tomam como um referendo às suas posições.
No entanto, as dificuldades não vão parar e a resistência inevitavelmente vai prosseguir.
É preciso por toda a parte defender que este acordo da Plataforma sindical com o ME seja desfeito.
Aqueles que conseguiram realizar a mobilização generalizada que levou à manifestação dos 100 mil estão nas escolas. Como dizia uma docente, na Escola Secundária de Miraflores, no dia D: “Esta vitória é dos dirigentes, não é dos professores!”.
Iremos prosseguir. Em minha opinião, o que é necessário é lutar pela unidade em toda a parte. É necessário defendê-la, dentro dos sindicatos. É por isso que proponho aos colegas que estiverem nesta sala e que forem sindicalizados no SPGL, que assinem uma moção com a exigência de retirada da assinatura pelos sindicatos da FENPROF, a aprovar na Assembleia-Geral de sócios do SPGL, marcada para o dia 28 de Abril.
Agir sobre este ângulo é, em minha opinião, defender as condições para podermos defender o restabelecimento das bases em que assentou a Escola construída com o 25 de Abril e, por aí mesmo, podermos participar num processo de construção de uma Escola pública de qualidade para todas as crianças jovens, só possível com uma sociedade assente na defesa de todas as conquistas de Abril.
Um comentário:
encontrei por aqui, algures, um comentário que perguntava "afinal o que é que de concreto os professores recusam nesta avaliação? e que se estendia depois jocosamente por acções de formação em dança desconhecendo a iluminária que existem disciplinas na área das expressões e que incluem movimento e drama, claro que também a dança. como hoje não encontro o post onde figura esse comentário respondo aqui, que também não fica mal e estando eu certo que tal figurão por aqui andará à espreita na busca afã de agradar ao chefe...
esse é o argumento (de que os professores são incapazes de concretizar porque protestam) o argumento recorrente daqueles que desdenham e querem, vá lá saber-se porquê, menorizar a classe docente e por seu intermédio a escola pública de qualidade. já repararam que estas pessoas nunca interrogam o governo ou ministério sobre a bondade destas medidas e os porquês desta avaliação e divisão da carreira docente e dos porquês das quotas? não! viram o ónus da prova para o acusado. acham estas boas almas que a justificação pertence aos professores e não aos inventores destas medidas, no fundo gravosas para toda a sociedade. tomam assim o lugar redundante dos crentes de qualquer religião que por tratarem de uma questão de fé são incapazes de justificar a existência da divindade que propalam e colocam nos incréus (ateus se preferirem) a responsabilidade de serem estes a provar a não existência divina.
porque não me acoito no anonimato, medo tiveram os meus avós e pais no antigamente da vida, eu jaime crespo, professor do 1ºceb, escrevi este comentário.
longa vida ao blog
irei colocar o vosso link no meu blog: o fongsoi
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