sábado, agosto 09, 2008

Boletim do Encontro em Defesa da Escola Pública 5

Luisa Mesquita, Encontro 19/Abril

Luísa Mesquita

(professora e actualmente deputada independente na Assembleia da República)


Defesa da Escola pública, defesa de uma Escola de qualidade


Luísa Mesquita (L.M.) iniciou a sua intervenção partindo de uma ideia que se tornou um lugar comum na sociedade portuguesa, e que tanto a ministra da Educação como o Primeiro-ministro também podem expressar: “A educação é um pilar estratégico para o desenvolvimento das sociedades, para o desenvolvimento do país”. Mas, segundo esta deputada, são diferentes os pressupostos de que cada um parte para defender tal conceito. Esses pressupostos estão ligados ao tipo de sociedade que se defende; e eles “são determinantes para aquilo que é a nossa leitura de Escola Pública de qualidade”.


Para fundamentar a sua recusa do modelo de Escola que o Governo está a impor, em nome de um determinado conceito de desenvolvimento, L.M. afirma:


“O modelo de desenvolvimento económico para o qual se caminha dia-a-dia, defendido por alguns ilustres economistas, quer nacionais quer europeus, e alguns articulistas da Comunicação social, transformados apressadamente em especialistas nas mais diversas áreas e também na política educativa, é a chamada «Aprendizagem e a Qualificação do conhecimento pelo conhecimento». Eles esquecem-se de acrescentar que é imprescindível acentuar o carácter mais individualista na aprendizagem, sempre que possível e tanto quanto for possível. Para eles, quanto mais individual for este processo, quanto menos colectivo ele for, quanto mais parcelar ele for, naturalmente melhores condições existirão para salvaguardar as quotas que estarão guardadas para os excelentes e para os muito bons, numa tentativa do aperfeiçoamento «rácico».

Não quero escandalizar ninguém. Mas isto não nos afasta muito daquilo que foi o aperfeiçoamento «rácico» da Segunda Guerra Mundial. É esse aperfeiçoamento «rácico» que permite que, já com alguma tranquilidade, se diga que não podem ser todos óptimos, não podem todos ser excelentes e também – que grandes democratas! – se ficarem um ou dois excelentes de fora, não há problema nenhum. Entrarão para a próxima, encontrarão espaço a seguir”.


Será neste modelo económico que cabe o conceito de escola a tempo inteiro, o encerramento das pequenas escolas das aldeias, das vilas e mesmo das grandes cidades, a criação de grandes centros educativos, para os quais vai ser exigido um rácio de mais de 300 crianças. Estes critérios terão como consequência que muitos concelhos irão ficar com um ou dois centros educativos, em vez de sete, correspondentes às expectativas dos autarcas e às necessidades.

A Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo são suficientes para mudar a Escola


Luísa Mesquita refere que a legislação portuguesa – produto do 25 de Abril e da própria intervenção dos professores – é a base necessária para proceder à construção da Escola pública que desejamos, e salienta a importância do que fizeram muitos professores após o 25 de Abril, num processo de consolidação da Escola Pública, que agora está a sofrer tão grande destruição.

“Tendo uma legislação matricial que é a Constituição da República Portuguesa, tendo uma Lei de Bases do Sistema Educativo suficientemente abrangente – e eu diria com uma latitude democrática como existem poucas por essa Europa – nós estaríamos em condições de criar uma outra Escola, que ainda não criámos neste processo de vida democrática.

(…) Eu acho que nunca entendi tão bem como agora a importância do que se passou no período pós 25 de Abril, e do qual eu fiz parte. Era um período em que até se fazia a formação de professores pela rádio. Tudo se fazia para acontecer agora. O agora produzia, o agora fazia, o agora avaliava e nós receávamos um pouco o que é que iria acontecer, a curto e a médio prazo. Acho que aconteceram as melhores coisas das nossas vidas. E é isso que ainda hoje sustenta a Escola perante o que de pior lhe está a acontecer: é que, de facto, essa consolidação aconteceu.

E, portanto, eu percebo este desalento, esta reprovação, esta angústia, esta gente na rua e até alguma desorientação na própria luta dos docentes. Acho que entendo porque, olhando para estes últimos anos e para estes três anos de governação, nós estaremos provavelmente a assistir, eu não quero ser muito exagerada, à pior crise do Sistema Educativo, no sentido das graves consequências que as medidas tomadas irão ter nas escolas portuguesas e na escola pública de qualidade”.


Como construir uma nova Escola

L.M. enumera, depois, as cinco áreas que, em sua opinião, deveriam ser alvo de transformação para criar uma nova Escola e, que segundo ela, “não coincidem, nem de perto nem de longe, com as medidas em curso”: os conteúdos programáticos, a escola, o espaço e o tempo, a gestão e a administração, e a formação dos professores.


“A escola tem que se mobilizar para o conhecimento em equipa, numa rede que integre técnicos educativos, pedagogos, técnicos de saúde e docentes.”

“(…) A escola tem que disponibilizar, em simultâneo, valores que enquadrem a vida de cada criança e de cada jovem na diversidade dos espaços que a sociedade vai criando e simultaneamente recriando, e conhecimento em banda larga motivadores da pesquisa, da criatividade e do espírito crítico.


Aquilo que é muito mais bem dito na Lei de Bases do Sistema Educativo: «A formação integral da criança e do jovem».

“A escola é só mais um espaço e como tal tem que funcionar. Não é o espaço de resolução de problemas económicos, do desemprego, da exclusão social, da violência, das assimetrias regionais.”

A propósito de ser retirado aos alunos o tempo livre, da brincadeira, «o seu tempo», ela diz: “Esta felicidade está a ser roubada às nossas crianças e aos nossos jovens, e a factura será cobrada.

E é este viver para além da escola que deve merecer a intervenção e as múltiplas respostas das autarquias. E acho que era exactamente aqui que as autarquias deveriam entrar e não para as actividades extra-curriculares, como hoje acontece.”


A Escola Pública, a nova Escola não se pode coadunar com uma gestão unipessoal, tal como o impõe o novo decreto de gestão, e necessita também de uma outra formação dos seus professores.

Os cortes orçamentais no Ensino Superior e na investigação

Por último, Luísa Mesquita referiu-se ao Ensino superior, começando por mostrar a contradição entre a política do Governo e aquilo que está consignado na Constituição da República. Referiu alguns exemplos desta contradição:

“Portugal tem cerca de 13% da sua população com o Ensino Superior. É metade da média da União Europeia, que tem cerca de 23%. De 2006 para 2007, ao contrário do que se diz todos os dias, decresceu o número de diplomados. Entre 2005 e 2008, o Governo fez um corte real de 305 milhões de euros nos orçamentos das universidades e dos politécnicos. É uma redução de cerca de 20%. Em 2008, o corte é de 11%, sendo o mais baixo orçamento desde 2005.

Os cursos onde as médias ultrapassam os 18 e 19 valores, dificultando o acesso de candidatos, são os de Medicina exactamente a área onde faltam mais profissionais.

Em dois meses, depois da regulamentação dos empréstimos ao Ensino superior, 1700 alunos contraíram empréstimos por dificuldades financeiras para estudar no Ensino Superior. Isto foi considerado uma vitória, como nunca teria acontecido antes. Temos 1700 alunos com dificuldades económicas para fazer o Ensino Superior.

Pensa-se que cerca 40% dos docentes universitários, mestres e doutores poderão ter o emprego em risco por insuficientes orçamentos das instituições. Poder-vos-ia dar agora alguns exemplos, desde o Norte até ao Sul do país, mas passam por todo o lado, pelo Alentejo, Algarve, Trás-os-Montes e Alto Douro, Açores, etc..

A Fundação para a Ciência e Tecnologia, que deveria disponibilizar e entregar as verbas para projectos de investigação, tem projectos parados e não entrega essas verbas há meses.”

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